UM CARNAVAL DE OUTRO MUNDO

Dos tipos que marcaram época na minha cidade, lembro-me das estórias contadas a respeito do boêmio, festeiro e contador de estórias Joe Sand, que, segundo diziam, impressionava a todos, pois sua conversa chamava a atenção e trazia para si o dom de ser escutado por onde passasse. Esta figura conquistou o coração de uma bela moça estrangeira chamada Doris na época da Segunda Guerra mundial, que lhe colocou esta singular alcunha que o acompanhou por toda a sua vida. Outra figura espetacular, quase folclórica, foi Zeca Alonso, um homem que tinha como formação acadêmica o Direito, mas, gostava de se chamar de um Doutor da vida. Ele também contava estórias, só que ao contrário de Joe, eram casos engraçados, muitas vezes envolvendo autoridades e pessoas conhecidas na província. Quando os dois se juntavam, era uma festa, e, geralmente se encontravam nos bares famosos da cidade, sendo um deles o Brisa del Cajueiro, que primeiramente se chamava Brisa del Anacardo, cujo complicado nome não pegou. As mesas do bar ficavam em baixo de um frondoso cajueiro e abrigavam aqueles que ali se reuniam para beber, comer e conversar. O seu dono era um espanhol que aqui chegou e ficou definitivamente nessas terras. Após o início do encontro, os frequentadores do bar iam se juntando aos conhecidos boêmios, e, lá para mais tarde, não havia mais espaço. Num desses encontros surgiu a ideia de criar uma troça carnavalesca, e, ali mesmo foi sugerido o nome Troça do Cajueiro. No carnaval daquele ano, a brincadeira planejada estava pronta. Assim, todos sairiam no domingo de carnaval acompanhando o corso carnavalesco que passava pelas ruas principais da cidade. A Troça do Cajueiro contava com uma bandinha com instrumentos de sopro, percussão e uma rabeca, esta tocada por Dedé, um dos músicos preferidos de Zeca, apesar de seu instrumento não se encaixar muito com as músicas da estação, mas, para ele era algo maravilhoso ter semelhante músico no seu carnaval. Os componentes da troça participavam fantasiados, e, ali, podia-se ver de tudo, havia pierrots, colombinas, fadas, árabes, etc. Naquele tempo, depois do corso nas avenidas principais, havia a festa no Clube Europa, onde toda a cidade se encontrava para o baile de salão. Era uma grande alegria, todos se encontravam e brincavam numa celebração da alegria e da vida. Zeca estava fantasiado de anjo, usava uma peruca loura com cabelos encaracolados e uma túnica branca. Já Joe Sand usava uma fantasia de Pierrot em xadrez branco e preto e o rosto pintado com pó de arroz. No decorrer do baile, os dois foram convidados a subir no palco e cantaram uma das marchinhas de carnaval da época, foi um sucesso. Depois, voltaram ao salão e foram se divertir. Um pouco mais tarde apareceu um tipo muito interessante, o seu rosto estava coberto por uma máscara que deixava dois grandes olhos à mostra. Seu corpo era coberto por um macacão folgado de uma cor que variava conforme a iluminação. Esta personagem foi a que mais se animou na festa, mexia os braços, pulava e ia para frente e para trás. Zeca quis tirar uma fotografia com aquele animado folião. O fotógrafo Jota Neto fotografou os dois que logo se separaram. Na segunda feira era o dia do desfile competitivo. Os foliões, as troças, as bandinhas e os blocos iriam passar pela Avenida Teodoro, onde estavam armadas arquibancadas nos dois lados da rua numa extensão de uns duzentos metros. O desfile começou com as troças desfilando cantando marchinhas de carnaval, depois os automóveis passaram com os seus ocupantes lançado confetes e serpentinas, por fim, os blocos carnavalescos com suas diversas caracterizações de navios, casas de boneca, carretas com foliões fantasiados, etc. No entanto, o mais estranho foi um veículo circular prateado com luzes coloridas ao seu redor, participando do desfile. Este veículo, que foi chamado pelo público de carro luminoso, lançava raios de luz em direção à plateia que ficavam cada vez mais visíveis à medida que a noite chegava. A plateia aplaudia o carro luminoso e a comissão julgadora vibrava com a passagem de tanta originalidade. De repente, o artefato inusitado levantou do solo e foi lentamente levantando voo em linha reta em direção às nuvens até sumir completamente. Enquanto o carro subia o público reagia a surpreendente performance com gritos e palmas. O espetáculo conquistou os jurados que elegeram aquele pseudo bloco como vencedor do Carnaval. O assunto da subida aos céus do carro no desfile tomou conta da cidade pelo resto do festejo e por muito tempo depois. O prêmio ficou sem dono, pois o vencedor não veio buscá-lo. O desfile ficou conhecido como carnaval do outro mundo e entrou para a bagagem das estórias contadas pela mais famosa dupla de boêmios da cidade.