O GLOBO ESPELHADO

A Boite Epow funcionou nos anos oitenta na antiga estrada de acesso à Praia de Ponta Verde. Os seus frequentadores vinham da Cidade em direção àquele estabelecimento para aproveitar as sensacionais músicas da época da discotheque. Todas as sextas e sábados, durante toda a noite, a Boite funcionava tocando as músicas daquele período explodindo sensações com tão grandiosos arranjos, pondo as pessoas a dançar ao ritmo de melodias fenomenais. Durante uma noitada se podia ouvir e dançar sons da mais alta qualidade, como Gloria Gaynor, Earth Wind and Fire, KC and Sunshine Band, etc. Foi um tempo mágico que fazia daquele local um ponto de encontro quase que obrigatório para aqueles que queriam se divertir. No entanto, no final dos anos oitenta, a música Disco foi perdendo espaço para outros ritmos e a moçada passou a curtir outros movimentos musicais. Como também, imagino que em função do crescimento da cidade, surgiram outras atrações para os jovens sedentos de novidades. A Boite Epow ficava numa parte alta, sendo limitada por um morro que forçava uma curva para a praia. Da sua parte exterior se tinha uma maravilhosa vista, podendo-se observar o mar encostar nas dunas brancas. Aquele estabelecimento memorável só parou de funcionar quando começou a dar prejuízo e o seu proprietário, um conhecido playboy da cidade chamado Ricky Cabrita, resolveu fechar as portas. O curioso é que o  proprietário não quis vender o seu bem, por mais que houvesse, de tempos em tempos, uma proposta para a sua compra. Ali seria construído um hotel ou um restaurante. Assim, a Boite ficou fechada, mas com toda a sua mobília, sistema de som, iluminação e tudo o mais. A edificação era formada por um dancing no seu centro sendo rodeado por mesas de pista, um corredor de passagem e mais mesas em todo o seu perímetro. As mesas mais privilegiadas eram aquelas com vista para o dancing, onde se podia apreciar o que acontecia, era divertido observar as performances e coreografias ali executadas. No centro da pista de dança descia do teto um globo espelhado com cerca de meio metro de diâmetro, para onde eram direcionados raios de luz de muitas cores, dando ao ambiente um espaço apropriado para a dança em sintonia com músicas que balançavam as pessoas. Nos primeiros tempos após o fechamento da Epow, Ricky cuidava de manter aquele prédio em boas condições, mas com o tempo ele foi deteriorando, e passou a apresentar problemas resultantes da má conservação. A vizinhança também foi piorando e muita coisa do que havia na redondeza foi desaparecendo. O acesso principal à Praia de Ponta Verde mudou, sendo construída uma estrada larga e bem sinalizada a alguns quilômetros dali. A velha estrada passou a ser usada apenas por quem tinha que necessariamente passar por ali. Num certo momento, surgiu rumores de que havia um estranho acontecimento no que restou da Epow. Nas noites de lua cheia por alguns momentos se observava um burburinho onde foi ouvido um som alto de música dançante, som de pessoas conversando e um grande movimento de carros antigos, entre eles opalas e fuscas. Aquele movimento foi visto por muita gente, inclusive, por quem estava na Praia. Os mais antigos juraram que foi como se a Boite estivesse funcionando nos seus tempos áureos. Aqueles episódios se repetiram algumas vezes sempre nas noites de lua cheia e chegou aos ouvidos de Ricky, que logo quis saber o que estava se passando. Numa noite de lua cheia, Ricky convidou os amigos Galocha e Adauba para tirarem a limpo aquela estória. Após alguma relutância, o convite foi aceito. Com lanternas nas mãos, os amigos entraram no seu interior e ficaram esperando os acontecimentos. Um conhaque ajudou a dar coragem aos  aventureiros. Quando a lua cheia chegou a uma determinada altura, alguns raios de luz começaram a entrar no interior da Boite através de buracos no telhado quebrado. Estes raios atingiram o Globo espelhado que estranhamente estava girando. Os pequenos espelhos do Globo refletiram os raios de luz em todas as direções atingindo o piso do dancing, as mesas de pista, as paredes e o teto. De repente, a música começou a tocar e muitas pessoas foram surgindo do nada em todos os espaços. Muitos dançavam, outros conversavam e alguns namoravam. Os garçons serviam as mesas e a festa acontecia do jeito de antigamente. Os amigos surpresos com o que se passava, foram passear nos espaços da edificação. Sem acreditar no que viam, reconheceram antigos frequentadores. Com muita clareza eles viram os amigos da turma do funil bebericando rum com coca. Mais a frente, eles puderam ver a si próprios na mais tenra juventude aproveitando a festa. Como num passe de mágica, tudo desapareceu e os restos daquele local voltaram a dominar o ambiente. Ainda incrédulos, eles saíram de lá e foram conversar sobre o acontecido. Adauba disse que os raios da lua fizeram aquela mágica. Galocha disse que foi uma fenda no tempo que se abriu e épocas distintas se cruzaram. Aquela experiência animou Ricky a reconstruir a Epow. Nada é superior àquelas festas, comentava. Algum tempo depois, tudo foi reconstruído como antes. Os mínimos detalhes foram observados, inclusive a placa que tinha o W com quatro raios. A inauguração seria numa noite de lua cheia. Ricky prometeu aos convidados uma surpresa espetacular. A festa de reinauguração começou e estava correndo as mil maravilhas. A atmosfera composta pela música e pela ambientação da época deu ao ambiente uma característica especial. A maioria dos frequentadores era jovens senhores com mais de quarenta anos que atenderam ao convite para rememorar velhos tempos. Numa determinada hora da noite, as luzes foram apagadas, e uma janelinha deu acesso a entrada dos raios de luz da lua que atingiram o globo espelhado. Os raios de luz deram início ao surpreendente processo de abertura no tempo, causando uma confusão aos frequentadores, que viram fantasmas e, muitos deles se viram no passado. Ao perceber a confusão Ricky acendeu as luzes cessando a interação de épocas diferentes. Antes de continuar a festa, tomou o microfone e corrigiu a confusão dizendo que aquilo foi uma brincadeira. Tudo voltou ao normal e todos aproveitaram a noite. A Boite Epow funcionou por pouco tempo, sendo fechada por falta de clientela. Até hoje os frequentadores da sua reinauguração falam do acontecimento misterioso e Ricky tem que se explicar por onde passa. A lição que ficou para Ricky é que tudo tem o seu tempo e é lá que deve ficar. O trio de amigos de vez em quando visita a Boite nas noites de lua cheia e repete a experiência, agora feita de maneira controlada, e, dessa forma, visitam um tempo feliz. O lugar é considerado mal assombrado e provavelmente não vai ser vendido.