RIO GRANDE

Numa tarde de verão resolvi navegar pelos mistérios do Rio Grande e passar perto daquilo que assisti da casa de praia do meu avô paterno. A casa era avarandada e ficava numa parte alta com vista para a entrada do Rio Grande no mar, a chamada barra. De lá podia ver todos os sinalizadores que indicavam os caminhos dos navios que chegavam pelo mar e se dirigiam ao porto da cidade. Os sinalizadores piscavam e davam uma atmosfera mágica que encantou  minha infância e se tornou uma memória presente em minha vida. A entrada do navio pelo Rio Grande proporcionava uma visão maravilhosa para quem estava na varanda da casa. Lembro-me do meu avô admirar as embarcações com um binóculo e comentar a nacionalidade deles ao mirar as bandeiras nos mastros. Do Rio Grande, recordo do mangue que parecia uma floresta plantada dentro da água, e era um ambiente misterioso, o qual pescadores tiravam o seu sustento com a coleta de caranguejos e siris. O meu avô saia à noite para uma pescaria e trazia peixes, camarões e estórias da aventura naquelas águas. Assim, parti do ancoradouro e segui numa pequena lancha com um motor de popa. Encaminhei-me ao centro do rio e de lá admirei a paisagem. Pude ver a cidade com uma silhueta bastante diferente daquela que via quando menino ao atravessar o rio nas chamadas lanchas, que eram embarcações adaptadas para o transporte de passageiros. A cidade era bem menor e mais encantadora com os seus poucos edifícios se destacando na paisagem. Fui para perto da vegetação do rio e fiquei observando o mangue em toda a sua grandeza, pude ver caranguejos e peixes espada cortando rapidamente as águas e, também, admirei as raízes segurando a vegetação alta. Depois passei para a margem da cidade e admirei casas simples, outras majestosas, trapiches, cais, píeres, prédios e as Igrejas antigas destacadas e apresentando sua importância para a Vila nascente. Ao seguir de volta ao mangue, entrei em gamboas e percorri labirintos de vegetação até me perder naquele emaranhado. Passei algum tempo tentando encontrar o caminho de volta e a noite chegou. Tudo ficou muito escuro e passei a ter um pouco de medo, mas sabia que tudo estava sob controle. Tentei enxergar a luminosidade da cidade e vi um caminho formado por muitas luzes se destacando detrás da vegetação abundante. Consegui chegar à margem do mangue e assisti, para a minha surpresa, ao espetáculo da queima de querosene em sinalizadores em forma de concha apoiados em pilares de concreto saindo uns dois metros do nível da água. Era um espetáculo cinematográfico, onde havia dezenas de conchas queimando combustível iluminando o rio com a luminosidade de chamas de cor vermelha e azulada. Aqueles sinalizadores faziam um caminho que orientava o trajeto até a edificação do outro lado do rio com uma rampa de muitos metros adentrando a água. Aquele local era um prédio histórico e foi a base de empresas de correio aéreo onde hidroaviões nos anos 30 e 40 aportavam e eram puxados por cabos de aço para serem guardados. A cerca de um quilômetro pude ver aquele velho prédio e percebi que ele estava funcionando. De repente escutei um forte barulho e pude ver passar acima da minha cabeça um hidroavião que posou no mar e se dirigiu a edificação do outro lado do rio. Com num passe de mágica as chamas cessaram e  tudo voltou a escuridão. Naquele momento se via de longe apenas alguns poucos pilares saindo da água. Sem ter tempo para pensar vi um pequeno barco a vela se aproximar e tombar na água. Pude ver um senhor magro, alto e calvo mergulhar nadando em direção à margem do rio, que reconheci como meu avô.  Também nadavam seguindo o primeiro dois senhores, um mais baixo com um chapéu na cabeça que lembrava uma bola de futebol e outro moreno. Dirigi-me para perto dos nadadores e eles desaparecerem. Os sinalizadores marítimos passaram a ter um brilho mágico e pude ver um navio passando a poucos metros que desapareceu em seguida. O navio tinha o nome HOPE gravado no seu casco. Minha pequena embarcação se transformou na lancha de transporte de passageiros e pude por segundos me ver criança, meus irmãos e meus pais. Sentindo uma sensação de confusão mental, vi o trapiche no rio, que existiu nos meus tempos de criança. Para lá segui e desembarquei subindo os seus degraus de pedra. De repente, estava caminhando na beira do rio enquanto minha lancha era puxada pelas águas. Ainda confuso, adentrei ao vilarejo, peguei um taxi e fui para casa. No caminho pensava no que tinha acontecido e não encontrava uma explicação. Para a minha sorte, a lancha ficou presa no mangue e pude recuperá-la o que evitou um grande prejuízo.