JOE E O SINO

A minha cidade na Segunda Guerra Mundial, apesar de não estar na zona do conflito propriamente dito, viveu o clima do grande evento, inclusive com a presença de aviões estrangeiros no seu território e redondezas, navios passando em alto mar observados por pescadores, submarinos espreitando a costa, e ainda a presença de espiões. Falam da presença numa das lagoas da região de hidroaviões pousando nas suas águas e recolhendo amostras. Alguns acidentes aéreos aconteceram com aeronaves estrangeiras e deixaram marcas dos fatos, como um grande buraco numa praia até hoje existente, e, restos de aviões sob a lâmina de água do mar. Mergulhadores já viram aquelas carcaças tomadas por corais e vegetação marinha. Meu avô contava sobre os famosos blackouts, onde toda a cidade ficava em total escuridão após o som de sirenes alardeando um possível bombardeio aéreo. No tocante a espionagem, fala-se que uma mulher estrangeira belíssima frequentou a cidade naquela época. Ela falava com um pouco de sotaque, mas, seu carisma e sua grande beleza camuflavam qualquer estranheza. Ela se dizia embaixatriz de um pais europeu não envolvido na guerra e frequentava os locais elegantes da cidade, entre eles o Uonder Bar, local onde se reuniam intelectuais e boêmios. Dizem, segundo a lenda, que ela veio em missão de transformar a região num ponto de chegada e uma posterior base dos nazistas para a invasão das Américas. Nesse cenário, é inserido um grande sobrado que, resiste ao tempo, numa cidade próxima com todas as características de uma fortificação. Naquela construção existem quartos enormes, cozinhas quase que industriais, janelas a mais de quatro metros de altura, que parecem funcionar como guaritas a proteger o prédio. Dizem que toda a construção foi feita a partir do comando da bela estrangeira. Há conjecturas, inclusive no meio técnico, de que houve uma alteração no leito do rio, situado nas proximidades do casarão, sendo aberta ali uma pequena praia para receber lanchas. Apesar dessas evidências, a história registra aquela construção como uma simples casa de veraneio levantada por um rico industrial, um tipo originário da Europa, embora bastante adaptado e familiarizado com a região. A bela mulher misteriosa se chamava Doris e sua vida se desdobrava entre os negócios, contatos com autoridades civis e militares, e, ainda se dava ao luxo de participar do movimento cultural da Cidade, apoiando escritores, poetas e atores, criando, assim, uma empatia que a fazia muito querida por onde passasse. Falam que ela foi amante do boêmio Joe Sand, como ela o chamava. Este era uma figura querida e admirada na cidade, notadamente pela sua participação na vida social em reuniões, saraus, festas e o carnaval. Com o explodir da guerra Doris desapareceu sem deixar noticias deixando Joe Sand muito triste. Ele resolveu voltar a sua cidade Natal no interior para tentar esquecer sua amada. A guerra acabou e Doris continuou desaparecida. Todavia, falam que num dia de muito sol um avião cruzou os céus do interior do estado e de lá saltou um paraquedista, e, por coincidência, Joe Sand viu o movimento e foi até o local da descida. Lá chegando ele se deparou com Doris. Foi um encontro espetacular com muitos beijos, abraços e lágrimas. Nos momentos que se seguiram Doris contou a sua estória, ela era uma espiã nazista que veio com a missão de instalar uma base para a conquista das Américas, mas, ela retornou e convenceu os seus superiores a desistirem da ideia. Depois, disse que iria sair dali para o futuro dentro de alguns dias. Os dias seguintes foram de total felicidade até a chegada de uma nave em forma de sino que pousou numa localidade plana. Joe ficou sabendo que aquela seria uma viagem sem volta, mas Doris prometeu um dia rever o seu amado. A bela mulher entrou na aeronave que subiu uns cinquenta metros de altura e desapareceu deixando uma nuvem de fumaça. Naquele momento aconteceu uma forte explosão seguida de um tremor de terra na cidade deixando rachaduras nas paredes das casas e fendas no chão. Joe passou a contar esse episódio da sua vida por onde passava e voltou a vida alegre que sempre teve apesar de toda a saudade da sua amada. Nos anos que seguiram até os dias de hoje na cidade do interior de Joe acontecem estrondos e tremores de terra, quase que inexplicáveis pela ciência, pois, não existem falhas geológicas ou outra explicação plausível. Joe explicava os fenômenos como resquícios da aparição da aeronave. Ali ficou um caos no tempo e espaço, afirmava categoricamente. Joe Sand desapareceu da cena da cidade e nunca mais foi visto. Dizem que se mudou para um grande centro do país. A dúvida sobre o seu destino persiste até hoje.