O QUARTEIRÃO DE OZIR

Conheci uma figura pra lá de interessante chamada Ozir. Seu mundo era o quarteirão onde ele morava, trabalhava e se divertia. Ele dizia que não sairia dali por nada. Era um cara culto, com formação superior, inclusive, fez estudos de pós graduação na Europa, sendo um leitor voraz da literatura mundial, com uma preferência especial pelas obras dos escritores franceses e ingleses. Fazia citações do clássico “O Retrato de Dorian Gray” de Oscar Wilde, e, de outros autores, com um invejável requinte quando adentrava temas da vida em sociedade. Essa figura veio do interior estudar na capital, e, na sua chegada, morou em casas do estudante e em pensionatos. Terminou a graduação com louvor e logo entrou na vida profissional obtendo um emprego através de concurso público. Foi casado com uma bela mulher, também, de muita cultura, mas, logo se separou motivado pela incompatibilidade de gênios, como ele justificava. Ainda jovem, no início da sua carreira, estudou fora do país e fez muitas viagens internacionais, mas, um dia se cansou de sair da sua casa. A partir dali, seu lema passou a ser: o melhor da viagem é a volta. No período da faculdade, firmou as amizades que manteve por muito tempo, apesar de não retribuir as visitas, por não sair do seu quarteirão. Mesmo com o seu estranho costume, mantinha alguns amigos, entre eles intelectuais, poetas e escritores, que de tempos em tempos iam visitá-lo. Aqueles encontros eram divertidos e enriquecedores, na opinião de todos. O papo sempre pendia para a cultura e aos acontecimentos do mundo. Ozir devorava os jornais de todo o país para manter-se bem informado. A banca do Jota, próxima a sua casa, era o local de peregrinação diária. Ele ia ali buscar seus jornais, e, aproveitava para encomendar livros e outras publicações. A sua casa era repleta de quadros de artistas renomados, sendo a maioria muito antigos, do tempo em que ele circulava pelo mundo afora. O seu quarteirão, como chamava, iniciava-se com uma praça e terminava na Avenida litorânea. Sua casa se situava na rua principal, que era larga e com duas mãos. Era a rua de chegada à praia da cidade. Ozir gostava de caminhar até a praia e lá ficava no Bar da Zoé, onde comia e bebia alguma coisa, conversava com os moradores da vizinhança e admirava o mar. Ele ficava encantado quando passavam navios cruzando a costa, e, assim, lembrava de algumas viagens feitas por aquele meio de transporte. Não se sabe dizer exatamente quando Ozir resolveu não mais sair do seu quarteirão, nem os motivos que o levaram àquela escolha. Alguns amigos, entre eles o poeta Valentim, opinavam que foi uma escolha por um pedacinho de terra que o fazia feliz. Terence, explicava que foi uma escolha baseada na sua felicidade de residir num local tão aprazível, delimitado por uma bela praça com muitas árvores, um coreto, um pequeno restaurante, uma vista para uma bela lagoa, e, um belo mar azul, com ondas se derramando numa praia de cor dourada. Dona Zoé, na sua simplicidade, dizia que o mundo para qualquer pessoa era aquilo que existia naquele quarteirão. Ninguém precisa de mais para viver, concluiu. Na área profissional, Ozir era um funcionário exemplar, sempre atento ao seu trabalho, desempenhando com muito zelo o que fazia, recebendo muitos elogios, inclusive, recusou, por muitas vezes, convites para ser chefe. Dizia, naquelas ocasiões, que nada era superior ao seu sossego. O curioso é que Ozir falava com desenvoltura a respeito de muitas cidades do país e do mundo. Falava das belezas arquitetônicas, dos aspectos culturais, da gastronomia e das características naturais. Também, falava com facilidade outros idiomas. Muitas vezes, ele era visto na Praça ou na Praia conversando em outras línguas com turistas estrangeiros. Ele encabulado, explicava que tudo que aprendeu na vida foi resultado das suas viagens. Ozir, também era escritor, publicando na edição de domingo de um jornal local, crônicas narrando as suas viagens, destacando a cultura e gastronomia dos locais visitados, além de escrever sobre  a sua cidade e os seus tipos humanos inesquecíveis. Esse tempo que descrevo, já está há algumas décadas no passado. Um tempo que não havia a facilidade atual do conhecimento através das mídias atuais. Na verdade, era preciso estudar muito para falar outra língua e, conhecer outros lugares para falar sobre eles. Assim, com todas essas caraterísticas, Ozir se tornou uma figura peculiar, tornando-se uma lenda viva na sua cidade. O seu modo próprio de viver era comentado por todos. Até hoje o velho Ozir segue vivendo no seu quarteirão e não se conhece os seus segredos, se é que eles existem. Ficou a marca de um homem que criou o seu universo num pequeno espaço e aproveita cada pedacinho de chão do lugar que vive, longe dos ideais corriqueiros da maioria das pessoas.