A MAGA CLOTILDE

 Um pouco depois de conhecer a maga Clotilde, uma das componentes da Ordem Hermética dos Magos da Luz, é que a relacionei com uma grande figura da província que marcou época no cenário cultural da cidade, além de ser uma precursora da participação da mulher neste ambiente, e, pode-se dizer, apreciava boas amizades com o castellum populus, como ela chamava os seus amigos. Ela era uma assídua componente da banda flamenca, uma turma que se reunia para brindar as coisas boas do mundo com muita festa ao som da melhor música do planeta, marcando presença no carnaval, reveillon e outras datas festivas. No mundo cultural se destacava na poesia, literatura e teatro. Escrevia poesias maravilhosas e crônicas inesquecíveis para os jornais da cidade. Foi autora de peças de teatro ressaltando a questão social e a condição da mulher na sociedade da época. Ainda, escreveu contos descrevendo situações cotidianas e livros abordando a medicina natural. Uma das suas principais atuações, era na promoção anual de um festival que ela denominava de FESTPOP. Era uma ocasião onde poetas da cidade recitavam suas poesias, as bandas locais mostravam suas músicas, grupos de dança apresentavam coreografias espetaculares, os pintores expunham suas obras, e, tudo o que dissesse respeito a arte, cultura e expressão humana. Aquele grande evento acontecia na nossa antiga fortaleza sempre sob um luar mágico. Naqueles dias a lua iluminava a noite de maneira especial, deixando as águas do Rio Grande com um aspecto prateado absorvendo as suas cores. Naquela noite, podia-se da fortaleza ver a Praia da Pontinha com o seu casario peculiar, a Igreja de Pedras e o Pontinha Clube, iluminados pela lua, acrescentando um encanto especial àquela bela vista. Ainda muito jovem, fui a um daqueles eventos e pude vivenciar fatos que nunca saíram da memória. Lembro que no pátio interno da velha fortaleza era montado um palco para as apresentações que aconteceriam ali. Também, todas as outras dependências daquela edificação eram preparadas para o grande acontecimento. O festival começou no início da noite com a apresentação de uma banda composta por instrumentos simples, uma flauta, um triângulo, um reco reco, um surdo e um vilão caindo aos pedaços. Aquele grupo, fazia uma música que animava a todos, e era comandada por Bibo Lesera, que era o vocal. O Show se desenvolvia a partir de temas lançados ao palco descritos em bolinhas de papel. Logo em seguida o poeta João Adrigi se apresentou declamando sua poesia e tocando um violão sem cordas. A sua performance deixava a plateia atenta a sua apresentação, tanto pelo conteúdo do texto falado, quanto pela coreografia em cena. Em seguida se apresentou a banda Cenoura Lúdica que fazia música no estilo jazz, mandando um som que deixava a todos extasiados. Paralelamente ao palco, havia os eventos acontecendo nas celas do forte. Havia a exposição de telas de pintores espetaculares, saraus com poetas da mais alta categoria, lançamento de livros, dentre outras atividades, e, o mais importante, o público ficava admirado e impressionado com a carga de criatividade explodindo naquele ambiente efervescente. Inclusive, ali foi lançado um livro de poesias eróticas, escrito pelo americano O’Neil, que dedicava aquela obra a Clotilde. Cheguei a ler um poema dedicado a ela que dizia que a paixão da sua amada era tão forte que lhe arrancava o amor e o levava direto ao seu coração. Após o primeiro intervalo, havia o momento do rock, onde bandas executavam o revolucionário rock and roll, com músicas autorais e sucessos da época. Ali se alternavam as mais diversas bandas, algumas imitando grupos conhecidos da época como os Stones e o Led Zeppelin. O desempenho de um tipo chamado Mick cantando Satisfaction, da banda Barulhos, me fez acreditar que fosse o Stone original. Lá para mais tarde, depois de apresentações de grupos de dança, aconteceu o fechamento do festival com a visão de Clotilde vestida de fada se elevando lentamente a partir do piso do palco iluminada por luzes coloridas. Depois de muitas palmas, ela agradeceu a presença de todos e disse que o encerramento do FESTPOP seria cósmico, pedindo a todos que olhassem para o ceu. Naquele momento a lua cheia foi encoberta por nuvem espessa e uma chuva de meteoros passou a riscar o firmamento por alguns segundos. Após o encerramento do espetáculo celeste, Clotilde sumiu em meio a uma nuvem de fumaça. Todo o público bateu palmas por alguns minutos. Foi um evento inesquecível, e, parece que o último de uma pequena série de festivais. A partir daquele dia, a maga sumiu da vida da cidade. Disseram que ela foi fazer doutorado em medicina num grande centro do país. De vez em quando a cidade recebia uma visita sua, e a sua estada por aqui era amplamente divulgada nos jornais locais. Essas visitas foram se espaçando cada vez mais e ela finalmente desapareceu de cena. Assim para revê-la, vou esperar a próxima lua verde, quando os magos se reunirão novamente na minha mesa da varanda. Será uma oportunidade de relembrar os maravilhosos festivais e o clima mágico daquele tempo.