O DIA DO FUTURO
Houve num tempo distante na minha cidade, quando não havia dispositivos tecnológicos que se ligavam a internet, vários locais de encontro, onde diariamente se juntavam moradores para simplesmente conversar. Ali era o local onde todos saberiam das novidades, através do contato com muitas pessoas. Todos recebiam e distribuíam notícias. Assim, a vida local era o grande acontecimento, as notícias vinham dos jornais, rádio, revistas, da televisão e do famoso papo. O mais conhecido local de encontro de moradores da cidade era o Café São Ruiz. Ali muita gente se reunia para tratar sobre os fatos do mundo, do país, do estado e da cidade. A política, religião e o futebol eram os temas mais constantes, mas, outros assuntos, também faziam parte do museu das novidades como infidelidade, quem passou a perna em quem, falências, dentre outros assuntos. O café era consumido por todos os frequentadores e era o combustível para alimentar a conversa que entrava na madrugada. A turma começava a chegar lá pelo meio da manhã. Os primeiros eram os aposentados, estudantes, artistas e quem tivesse tempo livre. Lá para o meio da tarde chegava o pessoal que deixava os seus empregos e se encaminhava para uma sessão de atualização. Os frequentadores pareciam estar viciados naqueles encontros, quando alguém faltava, já saia um boato de que a pessoa estava doente ou algo parecido. Dentre esses frequentadores, havia aqueles que especializados em algum assunto. Por exemplo, Seu Alberico era especialista em viagens que fez pelo mundo. Contava suas aventuras na África e na Ásia. Alguns frequentadores comentavam que ele nunca havia saído do seu bairro. Havia o Sr. Ventura que contava sua passagem pelo mundo do box, relatando suas lutas com boxeadores conhecidos mundialmente. Os mais jovens ficavam boquiabertos com tantas estórias. Havia também o mensageiro da má notícia, chamado Dr. Robert, que contava tudo que acontecia de mal no país, e, ainda fazia previsão de aumento de preço de tudo. Essas figuras com a palavra mais abundante muitas vezes se tornavam cansativos, pois, repetiam as mesmas conversas, trocavam os locais a cada explanação, misturavam os assuntos, e, alguns passaram a ser considerados chatos. Havia nas rodas de conversa muitos intelectuais, que trabalhavam em jornais, rádios e revistas, alguns deles correspondentes de grandes veículos de comunicação nacionais. Muitos estavam ali por mera diversão, mas outros estavam ali para buscar assunto para os seus escritos, sendo comum muitas matérias da crônica social, política e econômica serem publicadas a partir daquela fonte inesgotável de informações. Do pessoal que ali frequentava, destacava-se o jovem sociólogo Evangelista que se especializou em futurologia, sendo assíduo participante de fóruns mundiais sobre o assunto. Ele sempre aparecia com uma carta que havia recebido de algum pais estrangeiro. Como o seu assunto não era um dos mais populares, ele passou a liderar uma das rodas de conversa, composta, principalmente, por estudantes, professores e curiosos. Nos encontros daquela turma, falava-se em futurologia, e alguém idealizou uma praça virtual. Nesse novo contexto, as pessoas se reuniriam, estando em locais diferentes, usando artefatos tecnológicos que permitiriam este feito. No início se falou em textos escritos simultaneamente compartilhados, no entanto, alguém apontou a possibilidade de se verem mutuamente numa tela. Havia em frente ao Café São Ruiz o chamado púlpito, que se tratava de uma mesa robusta onde todos poderiam subir nela a partir de um tamborete e falar para o grande público. Nesse púlpito acontecia de tudo. Acontecia defesas de projetos mirabolantes para o estado, como também pedidos de desculpas, convites para o lançamento de livros, dentre milhares de temas possíveis. O sociólogo Evangelista subiu ao púlpito e falou que naquele dia iria falar ao grande público. Todos voltaram a atenção para o jovem. O discurso versou sobre o fim do Café São Ruiz causado pela falta de frequentadores, pois, aquele tipo de encontro desapareceria com o advento de uma nova tecnologia a ser implantada brevemente. O ufólogo James pediu a palavra e confirmou a previsão, pois, os seus contatos telepáticos com alienígenas já o haviam informado dessa possibilidade. Houve, no entanto, reações contrárias, como a do líder político chamado de Pedro Fiel que bradou parafraseando Castro Alves dizendo que “ A praça é do povo como o céu é do condor”. Um outro participante mais entusiasmado disse que aquele lugar jamais deixaria de ser bem frequentado, lembrando a variedade de pessoas de diferentes idades e formações que estavam ali. Um outro disse que o Café São Ruiz não era mais o mesmo, afirmando que já houve mais frequentadores. E assim, muitas pessoas colocaram as suas opiniões e aquele dia ficou conhecido como o “Dia do Futuro". Uma fotografia daquele dia foi colocada numa das paredes do café e lá ficou até o seu fechamento por falta de clientela, muitos anos depois, como profetizado pelo sociólogo Evangelista.