FATA MORGANA

Ao olhar o mar daqui da varanda da minha singela casa de praia, fico absorvido pelas lembranças de tempos que passaram e levaram consigo parte da minha vida e daquilo em que acreditava como pura verdade. Hoje a vida parece estar mais concreta do que na tenra juventude repleta de credulidade, sonhos, delírios e esperanças, tempo em que devorava livros juvenis como Viagem ao Centro da terra, Máscara de Ferro, Moby Dick e tantos outros. Essa leitura me fez um jovem que pensava em um dia correr o mundo em busca de aventuras, além do mergulho em busca de conchas e estrelas marinhas. Para descobrir a vida, simplesmente observava o universo e escutava as aventuras de pessoas comuns. Lembro-me de alguém contando sobre as suas experiências com fantasmas, e o fato que me marcou foi o episódio da visão de uma bela mulher em baixo de uma árvore que desapareceu ao perceber a sua chegada. Em outro momento escutei o depoimento do horror de alguém perseguido por um fogo fátuo de cor azulada numa noite escura do interior do nosso país. Certa vez, numa praia, presenciei um curioso relato de um pescador que foi contratado para buscar um relógio que caiu no mar nas margens de um trapiche, e, nessa missão, ele entrou misteriosamente numa gruta submarina que dava acesso a uma cidade com casas, prédios, estradas, moradores e tudo mais, e em vez de água havia ar. O intrépido mergulhador acordou em um hospital sendo socorrido por afogamento, mas ele jurava que o acontecido foi real. Outra estória que admirei muito contada por pescadores foi sobre um barco voador que assombrava os mares da região nas tempestades, implicando em péssima pescaria e má sorte para quem o avistasse. Era muito comum relatos de avistamento de luzes brilhantes cruzando o céu em velocidades fenomenais, fazendo movimentos inimagináveis para a nossa compreensão. Essas luzes também mergulhavam e saiam do mar numa velocidade espantosa. Ainda, ouvi estórias de sereias que enfeitiçavam os pescadores com cantos melodiosos, fazendo-os que se atirassem ao mar e desaparecessem para sempre. Todavia, o caso mais surpreendente era a aparição durante a lua cheia de um barco de luxo que podia ser visto saindo da água e flutuando no mar, com música, animação e até e queima de fogos no convés. Às vezes, apenas o contorno do barco era avistada, podendo-se, entretanto, ouvir música e gargalhadas. Este barco era sinal de desastre iminente e maus presságios. Hoje, penso que se pode atribuir essas miragens a um fenômeno denominado Fata Morgana. Assim, objetos que se encontrarem no horizonte como ilhas, falésias ou barcos, adquirem uma aparência alargada e elevada. Explica-se que a separação entre o ar quente e o ar frio perto da superfície pode atuar como uma lente refractante, produzindo uma imagem invertida, sobre a qual a imagem distante parece flutuar. Alguns efeitos de Fata Morgana mais comuns são a visão de lagos de água distantes nos desertos ou em estradas com o asfalto muito quente. Entre as lendas universais de aparições no mar de navios fantasmas, provavelmente devidas a Fata Morgana, destaca-se a do Holandês Voador. Esta miragem se trata de um lendário galeão holandês que supostamente vagará pelos mares até o final dos tempos, sempre navegando contra o vento. A tradição narra que a embarcação que se deparar com ele terá má sorte na viagem. Um exemplo desta crença foi durante a Segunda Guerra Mundial, quando um almirante alemão informou ao governo que uma das suas tripulações de submarinos mais atuantes tinha comunicado no diário de bordo que não iria participar de uma batalha, pois havia visto o Holandês Voador, e isso significaria um sinal de derrota. Apesar da Fata Morgana, espero um dia poder admirar o holandês voador no horizonte, e, acreditar que não é uma miragem.