BILOCAÇÃO

Ontem, um colega de trabalho me falou que sofreu um atropelamento por um Senhor de idade avançada, que nas suas justificativas para o acontecido, disse que no momento do episódio ele estava fora de si, como se o seu espírito estivesse apartado do seu corpo. Aquele assunto me lembrou que eu também passei por situações semelhantes, inclusive algumas vezes, só que numa idade bem inferior. Mas, de uns tempos para cá não mais tive esse esquecimento passageiro. O que acontecia comigo era algo bastante estranho. De repente, eu saia do ar e voltava a consciência um pouco tempo depois, sem lembrar o que havia acontecido comigo. Lembro que dirigia por um bom tempo e não me lembrava do que se passou naquele intervalo, a coisa positiva é que eu conseguia chegar ao local planejado. No caso do senhor que atropelou o meu amigo, pode haver uma justificativa baseada na sua idade, entretanto, no meu caso, eu era jovem e não sofria de doença alguma. A sensação que me dava era como se eu fosse transportado para outra dimensão enquanto meu corpo sem espírito mantinha a direção. Ainda bem que nunca ocorreu algum desastre. O mais curioso é que esse fenômeno deixou de existir e realmente faz muito tempo que não acontece mais isso comigo. Ainda bem. Em termos técnicos essa amnésia pode ser encaixada na amnésia psicogênica, que, de acordo com o meu médico, trata-se de uma amnésia temporária que ocorre devido a traumas psicológicos. Todavia, soube que a memória quase sempre volta dias após do começo do episódio, mas, no meu caso perdi alguns trechos da minha vida permanentemente. Um psicólogo diagnosticou aquela situação como transtorno de transe ou possessão, ou seja, uma perda temporária do senso de identidade pessoal, sendo, no entanto, preservada a consciência do ambiente. De fato, situei minha condição naquela definição. A única inquietação da minha parte é que em todas as situações não me ocorreu estresse, todavia, eu não tenho a memória dos lapsos de tempo em que saia de mim.  Lembrei-me de que um amigo me viu em Lisboa na época daqueles acontecimentos e ligou para saber se era realmente eu. Eu lhe disse que não estava lá e que podia ter sido algum sósia. Mas ele insistiu, afirmando que chegou até alguns metros da minha pessoa, e quando desviou a atenção, eu simplesmente despareci. Na esfera da paranormalidade existe o fenômeno da bilocação ou ubiquidade, que pode ser definida como a presença simultânea de uma pessoa em dois lugares diferentes. Na literatura mundial e no cinema há exploração deste tema, como em alguns filmes de Alfred Hitchcock e o romance o Retrato de Dorian Gray, do irlandês Oscar Wilde. Segundo a literatura, alguns Santos da Igreja Católica passaram por bilocação, sendo os mais conhecidos os casos do Padre Pio, Santo Antônio de Pádua e Santo Afonso Maria de Ligório. Para ilustrar, conta-se que Santo Antônio de Pádua foi visto ao mesmo tempo na igreja da cidade de São Pedro dos Quatro Caminhos, em Limoges, enquanto pregava na Catedral, e, no convento dos frades de Montpellier, onde participava do coral. Tentei juntar as ideias, mas não imaginei que poderia ter passado por um fenômeno tão aprofundado como este. Nesta linha de pensamento, conheci o chamado duplo etéreo, que se trata de um sósia nosso, constituído de uma matéria mais sutil do que a nossa percepção, mas ainda fazendo parte do nosso plano físico. O duplo etéreo seria uma cópia exata do nosso corpo, pertencente a este, mas separável. A união com o corpo físico seria tão forte que qualquer coisa acontecida na cópia refletiria como num espelho no nosso corpo físico, como também em caso contrário. Nessa linha há o destaque da debilitação do corpo físico para a manutenção do duplo etéreo. Vasculhei o período em que passei pelas experiências de lapsos momentâneos de memória para saber se houve alguma interferência da minha condição física ou mesmo se passei por algum choque emocional, e não consegui localizar algo que montasse o quebra-cabeças. Preferi dar o assunto por encerrado e tratar aquela situação na base dos conceitos de comportamento psicológico. Na manhã seguinte eu estava trabalhando no computador fazendo um relatório de trabalho. Lembro-me que fiquei completamente imerso naquela atividade, realmente esqueci do mundo. Porém, aconteceu algo estranho, de repente chegou ao meio dia. A sensação era de que eu tinha passado somente umas duas horas, mas, obedeci a máxima: o tempo passa rápido quando a gente faz o que gosta. Algumas semanas depois, recebi uma carta de um amigo que mora em Lisboa, relatando que havia me visto, e, que tentou falar comigo sem conseguir. Achei estranho, pois, não saia do país há muito tempo. Será que no dia do tempo que passou muito rápido, eu passei pela bilocação? Não sei, fica a dúvida para sempre.