A IGREJA DE PEDRAS

Outro dia soube da origem da Igreja de pedras da Praia da Pontinha. Mais uma estória espetacular contada pela dupla Seu Dantas e o marujo Chimbau. A narrativa começou quando os veranistas da Praia da Pontinha, comandados por Zé Naldo, resolveram construir uma Igreja em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes. A nova Igreja foi construída com pedras retiradas da praia. Era uma pedra preta que havia em abundância no inicio da praia onde o Rio Grande se juntava com o mar. Aos poucos a Igreja foi se levantando e a sua frente ficava para a Vila cheia de casas de pescadores e de veranistas. O formato da construção era de uma fachada triangular com telhas em duas águas. O portão era em formato de arco acompanhando o desenho da construção. Subindo no seu lado esquerdo havia uma torre chegando ao cume do telhado. A torre era completamente vazada para acomodar futuramente a estátua da Santa protetora. Acontece que já havia uma capelinha na Praia da Pontinha. Esta construída no início do século XX e sua fachada ficava de frente para a desembocadura do Rio Grande. Os pescadores diziam que a capelinha era vista de alto mar, sendo uma proteção para eles nas suas jornadas que duravam dias. A sua Santa padroeira também era Nossa Senhora dos Navegantes. A construção da nova Igreja com a frente para Vila contrariou os pescadores que souberam que a Santa padroeira também seria a de Nossa Senhora dos Navegantes. Assim, uma comissão de pescadores foram tratar com Zé Naldo sobre esse assunto, exigindo a mudança da padroeira, já que havia uma capelinha naquela praia com a mesma Santa. Zé Naldo negou o pedido e informou que uma estátua da Santa iria ser colocada na nova Igreja para a inauguração da mesma. Nesse meio tempo, apareceu a idéia profética do Seu Neto, um dos primeiros veranistas, relatando que teve uma visão da Praia da Pontinha no futuro como um local de muito progresso com muitas construções, prédios e um porto ativo. Para iniciar os novos tempos era necessária a construção de um prédio para a consolidação de um futuro promissor. Ali seria o local da administração do que seria a Cidade de Rio Belo. Essa ideia tomou conta dos veranistas que realmente acreditaram no Seu Neto, um homem admirado e muito respeitado por todos. Um dos veranistas, o boêmio e poeta João Bolão abraçou a ideia e se lançou candidato a prefeito da futura cidade de Rio Belo. Naqueles tempos, ainda na metade do século XX, a praia da Pontinha era um distrito e estava longe de ser uma cidade. A construção do prédio da administração da nova cidade foi construído também com a pedra preta e, concluiu-se numa edificação com um grande salão interno, com salas de administração, cozinha e banheiros, cercada por uma varanda com muitos arcos que acompanhava o seu perímetro. O novo prédio foi batizado como Pontinha Club. Durante a construção do Pontinha Club, a finalização da Igreja foi esquecida, ficando faltando a instalação do Altar, a colocação de bancos e mobiliário, além da acomodação da Santa padroeira na torre. A estátua da Santa foi doada por um rico comerciante da cidade e foi benzida pelo Padre Rilke. Para a inauguração da Igreja haveria uma missa para todos os moradores da praia da Pontinha. Na manhã da inauguração foi percebido que a estátua da Santa padroeira foi retirada da torre, o que deu origem a um grande burburinho. Tal acontecimento cancelou a inauguração da nova Igreja, todavia ninguém assumiu a autoria do furto. Porém, Zé Naldo entendeu que aquilo foi obra dos pescadores, e, resolveu fazer o mesmo com estátua da capelinha. Naquela mesma noite ele a retirou da capelinha e a escondeu embaixo do altar da nova igreja. O curioso é que a estátua roubada da Igreja de pedras também foi escondida no altar da Capelinha. A confusão estava formada. As estátuas da Igreja de pedras e da Capelinha estavam desaparecidas. Na missa realizada na capelinha, o Padre Rilke, no sermão, falou do desaparecimento das estátuas como um ato de insensibilidade e mesquinhez, concluindo dizendo que tudo em breve iria se resolver. Na noite daquele dia ocorreu um tremor de terra como nunca antes acontecido. Como resultado aconteceu uma mudança de direção do sentido da Igreja de pedras que se deslocou quase noventa graus ficando do lado da cidade ao invés de em frente. O Pontinha Club também se deslocou e ficou de frente para a cidade grande. A capelinha ficou intacta como se assistisse ao novo arranjo das construções. Com o tremor as estátuas se deslocaram e saíram de baixo dos altares, ficando, assim, a mostra para os fiéis das Igrejas. Só que agora as estátuas estavam trocadas. A estátua da capelinha foi para a torre e passou a ser ali exibida. A estátua da nova Igreja ficou em exposição na capelinha. Todos entenderam a mensagem daqueles acontecimentos e a Praia da Pontinha passou a ter duas Santas protetoras. A paz voltou a reinar a até hoje as Santas protegem a Vila e aos pescadores. Nos dias atuais se percebe que a profecia de Seu Neto foi cumprida. A frente do Pontinha Club vislumbra uma cidade que cresceu. De lá se veem prédios, construções e um porto. A linha do horizonte de lá é riscada pela silhueta dos prédios que não param de crescer. A igreja de pedras aponta também para a grande cidade que não cresceu na Praia da Pontinha, como profetizado, mas, do outro lado do rio e parece abençoar aquela bela paisagem. A praia da Pontinha continua quase que a mesma coisa de muitos e muitos anos atrás com sua Vila, hoje com ruas calçadas ao invés da areia branca que dominava a paisagem e com o seu mercado vendendo peixes e ilusões. Os moradores continuam aquecidos pelo sol incansável e encantados com uma beleza inebriante da combinação do rio, mar e a cidade, que, apesar do progresso, apresenta uma beleza sem fim.