SERES DAS SOMBRAS
Lembro de ter visto vultos negros passeando em minha casa na infância. Era algo que não me espantava. Eu ficava simplesmente observando as figuras caminharem e às vezes subir e desaparecer nas paredes. Pareciam realmente sombras de seres altos e magros que apenas estavam ali sem uma finalidade estabelecida. Na minha juventude essas sombras praticamente desapareceram e eu podia vê-las com o canto dos olhos, como se diz, ou imaginar uma coisa semelhante. Depois, conversando com amigos soube que as sombras as quais via poderiam ser fantasia, espíritos, anjos, extraterrestres, seres de outras dimensões, ou ainda viajantes do tempo. No meu caso, apontando para a minha experiência, não sei qual dessas possibilidades poderia se encaixar no que eu via. Assim, resolvi fazer uma investigação sobre a origem dos vultos negros que tanto vi na infância. Fui até a residência em que morava quando criança e procurei saber sobre a história da casa, incluindo aí o terreno, o projeto da casa, a sua localização em relação a fontes de luz, a história dos seus moradores e outros fatores que viessem a contribuir para desvendar aquele mistério. Ao chegar a casa descobri que ela estava desocupada e colocada para aluguel. Resolvi alugá-la e fiz o contrato por um mês, o menor tempo negociado com o seu dono, um irlandês chamado Peter. O proprietário morava naquele local há muito tempo, imagino que desde a saída da minha família, entretanto, iria voltar por algum tempo a sua terra natal. Na conversa que tivemos perguntei sobre a vizinhança e o estado de conservação da casa. Como era de se esperar, soube que a moradia era muito boa. Na verdade eu só queria passar alguns dias de férias e viver alguma experiência que me desse uma resposta sobre o fenômeno que me intrigou pela vida inteira, pois a memória dos vultos negros era tão forte que jamais esqueci. No primeiro dia tratei de arrumar a casa e deixá-la pronta para ser um lar, embora que por pouco tempo. A casa estava toda mobiliada com moveis antigos, havia um armário em jacarandá todo talhado contendo uma escultura de anjos e animais na sua estrutura. Nos quartos os guarda roupas eram de madeira maciça, também portando figuras talhadas, estas com formas humanas representando homens, mulheres e crianças. Em todos os locais da casa havia quadros com os mais diversos motivos. Observei as obras de arte e o seu foco principal eram sombras formando imagens de casas, pessoas, carruagens, animais, ruas, vegetação e até bares. Era realmente muito estranho. A idade na qual sai com minha família daquela casa deve ter sido em torno dos sete anos, quando nos mudamos para outro bairro da cidade. Não sei o que motivou a nossa mudança de residência, tenho uma leve lembrança de reclamações indicando a presença de intrusos na casa, porém sempre imputei a culpa a pequenos ladrões. Também, lembro vagamente que o novo dono seria um estudioso de fantasmas. Na primeira noite fiquei vigiando todos os movimentos no interior da casa e vi muitas sombras. Todavia elas eram do movimento da rua quando passavam pessoas e carros que projetavam imagens resultantes da luz do poste em frente à casa. Algumas sombras tinham a silhueta de uma pessoa e pareciam os vultos que vi na infância. Por um momento pensei que tudo o que via não passava de imaginação. Apaguei todas as luzes da casa, sentei no sofá e fiquei esperando algum evento inusitado. Ao olhar para um dos quadros percebi claramente o movimento do desenho e percebi sair de lá uma sombra que foi se movimentando pela parede até sumir na porta de um dos quartos. Olhei outro quadro e vi mais sombras saírem e se apoiarem na parede e sumirem nas portas. Comparei com as sombras vindas da rua e percebi que estas eram diferentes. Como na minha infância vi muitas sombras passando pelas paredes, chão e teto. A situação ficou fora de controle e acendi as lâmpadas da casa. Estranhamente todas as sombras desapareceram. Apaguei novamente as lâmpadas a elas voltaram. Era hora de dormir e montar o quebra cabeças com as informações que acumulei. A casa tinha uma história de acontecimentos paranormais, havendo depoimentos de pessoas que ali viram seres e sons estranhos, inclusive com eventos de desaparecimento e reaparecimento da edificação. Os quadros foram feitos em função de ideias inesperadas do autor, um sobrinho do Sr. Peter, que passava por episódios de uma vontade indomável de pintar situações a ele encaminhadas por um processo telepático. Por fim, conclui que o que vi na infância foi real, e que realmente há algo de estranho naquela residência que foge do meu conhecimento. Resolvi desistir da moradia temporaria e voltar para a minha sossegada casa na praia, tão bela e normal e inspiradora para que eu possa contar essa narrativa olhando para o mar.