O BONECO GEPA

Conheci um fabricante artesanal de brinquedos, ele se chamava Lucho e se divertia com suas criações usando madeira e tecido comum. A sua arte era fenomenal e criava todo tipo de artefatos, desde carrinhos, cadeiras, bonecos, peões e muito mais. A sua oficina ficava nos fundos da sua casa, e lá se podia ver algumas das suas obras. Na verdade Lucho era relojoeiro, e, tanto consertava como vendia relógios. As suas criações eram colocadas à venda na relojoaria, um lugar encantado com um gabinete para conserto, mostradores de madeira e vidro para exposição dos relógios, paredes repletas de relógios antigos e prateleiras cheias de brinquedos e outras peças. Muitas vezes, os clientes se encantavam com o que viam e compravam aquelas maravilhas para seus filhos e netos. A relojoaria ficava no bairro antigo da cidade e estava perdendo clientela, pois a cidade avançava em outra direção, mas Lucho não queria se mudar, apesar dos inúmeros conselhos dos amigos. Numa das prateleiras da relojoaria havia dois bonecos que não estavam à venda, eram eles um boneco de um menino de meio metro de altura chamado Gepa e um boneco trapezista de vinte centímetros chamado Joca Bravo. Quando perguntado por que não vendia aqueles bonecos Lucho respondia que aquelas eram suas obras de arte, eram seus amigos de sonho e de vida, já que ele era solteiro e solitário. O boneco Gepa vestia uma calça marrom, uma camisa verde e usava botas. Seus cabelos pareciam reais e tinham a cor ruiva. Quando ele era colocado de pé podia caminhar acionando-se os seus braços levantados para frente e para trás, parecia uma criança de verdade. Já o boneco Joca Bravo vestia uma roupa de malha de cor vermelha, sapatilha preta e seus cabelos eram longos e pretos. Os seus braços eram amarrados a cordões presos a duas taliscas de madeira que quando apertadas faziam o movimento acrobático dos trapezistas. Os filhos dos clientes do relojoeiro se divertiam com os dois bonecos, não havia preferência, a meninada tanto brincava com um como com o outro. De tempos em tempos as cordas do trapézio de Joca Bravo eram trocadas porque se desgastavam com tanto uso. As articulações de Gepa eram refeitas ou mesmo trocadas para permitir a desenvoltura do boneco nas suas andanças. Lucho já estava ficando idoso e se queixava da solidão para os amigos e clientes que se sensibilizavam com aquelas reclamações. Um dia brincando com Joca Bravo aconteceu a quebra dos cordões e o boneco foi lançado no chão e ali ficou. De repente, Gepa se movimentou, apanhou o amigo e o entregou para o seu criador. Este agradeceu e no mesmo momento foi consertar os cordões do brinquedo. O boneco Gepa continuava no mesmo lugar que fez a entrega e se manteve imóvel. Lucho o colocou sentado numa cadeira e ficou segurando Joca Bravo pelas taliscas, sentou-se no sofá e começou a conversar com suas criações. Disse-lhes que eles eram seus filhos queridos e queria muito que eles fossem felizes e tivessem vida própria. A convivência durante os longos anos com as crianças e seus clientes havia lhes dado uma alma, argumentou. Era hora da transformação. Naquele momento Gepa e Joca Bravo se transformaram em homens. Foi preciso cortar os cordões presos aos pulsos do trapezista. Os três se abraçaram e começaram a chorar. O primeiro a falar foi Gepa que disse que precisava ganhar o mundo e contar suas estórias acumuladas ao longo dos anos pela experiência ganha como um querido boneco. Joca Bravo disse que precisava ir a um circo atuar como trapezista. Lucho ainda surpreso agradeceu a Deus por aquele milagre e desejou boa sorte aos filhos. Os dois rapazes decidiram naquele momento correr o mundo e se despediram deixando o pai triste por não poder desfrutar da companhia dos seus filhos. Cada um tomou um rumo diferente. Joca Bravo foi a um circo e se apresentou como um grande trapezista, contou que já havia trabalhado em diversos circos, inclusive, citando nomes. O conhecimento obtido a partir das conversas com os clientes ajudou nessa façanha. Em pouco tempo o trapezista boneco era a maior atração do circo. Gepa enveredou pela vida de contador de estórias. Nos dias seguintes, apesar da solidão, Lucho estava feliz. Todos perguntavam pelos bonecos e este respondia que eles ganharam vida e que agora estão no mundo. A relojoaria ficou com um ar triste sem os queridos bonecos. Algum tempo depois chegou a cidade um grande circo internacional chamado Gran Circo Barcelona e a atração principal era o trapezista Joca Bravo. O pai coruja foi ao circo e da platéia pode admirar o show acrobático do filho no trapézio. No final do espetáculo aconteceu o encontro entre criador e criatura. Como resultado de tanta emoção, Lucho levou o boneco Joca Bravo no bolso depois de muito choro e conversas saudosistas. O trapezista voltou a alegrar a relojoaria sendo a diversão dos clientes e dos seus filhos. Gepa lançou um livro intitulado “Uma Vida de Fantasias” que contava estórias de sua vida como um boneco numa relojoaria. Seu pai foi ao lançamento e comprou um exemplar. No dia seguinte, Gepa voltou a relojoaria e passou a animar o local divertindo os clientes contando suas estórias mirabolantes e mentirosas. A relojoaria passou a ser um lugar frequentado na cidade, recebendo visitas diárias de curiosos e aventureiros, que, tanto escutavam Gepa como compravam os seus livros, que já eram uns dez. Ali passavam diariamente aventureiros e contadores de lorotas que também contavam as suas peripécias, entre eles Dodô Ventura, Seu Pepê, Chimbau, Bob Patita e outros. Eu, também frequento a relojoaria, e convivo com essas personagens inspiradoras dessa estória, e, quem sabe de outras que venha a escrever.