TALITO

O jovem talito era um talento para a música. Desde criança se apresentava como cantor, tanto na escola como em eventos sociais. Na adolescência começou a se interessar pelo rock and roll e a partir daí, passou a ser um grande admirador do que se passava pelo mundo nesse estilo de música. Naquela época, conhecer de perto os grandes grupos de rock era mais difícil. As performances de artistas estrangeiros só podiam ser vistas na televisão e no cinema, e, assim, Talito não perdia as esperadas aparições, embora esporádicas, dos stones, do Led Zeppelin e de outros grandes nomes. As revistas especializadas em rock, eram uma forma de saber o que se passava no mundo do rock, elas traziam matérias sobre o que acontecia nesse meio, e, ainda, vinham nelas encartados posters dos artistas, que eram como joias para os jovens da época. Aqueles posters eram pendurados nas paredes dos quartos dos jovens admiradores do rock and roll. Havia uma loja de discos, que dispunha do que chegava de novidade musical na cidade. A loja era a Musidisc e ficava no bairro central. Seu proprietário era um jovem, chegando aos trinta anos, que se dedicava a arte da divulgação da música, como ele se proclamava. Seu nome era Roni e sempre dizia que o maior prazer era apresentar o que havia de novo para a sua clientela. Talito, jovem e sem dinheiro, juntava os trocados da sua mesada para comprar os novos discos. A loja Musidisc ficava numa esquina e era pequena, lá havia um balcão, onde Roni ficava à espera dos clientes. Rodeando as paredes disponíveis havia prateleiras acomodando discos de vinil, a disposição de quem quisesse ouvi-los. No interior do balcão ficavam os estoques dos discos e, de lá eram retirados quando solicitados. O som na loja estava sempre ligado a uma vitrola tocando músicas pedidas pelos fregueses. O rock era a música mais solicitada. Na loja se juntava diariamente uma turma para ouvir as novidades e conversar sobre os temas da hora. Nas sextas feiras, ao anoitecer, havia um movimento musical na Rua lateral da loja. Ali era montado um palco onde os artistas locais apresentavam suas músicas, algumas autorais e outras cover. Também, havia projeções em super 8 mm animando o cenário musical. A moçada aproveitava bastante, era uma oportunidade singular de assistir a shows espetaculares. Talito cresceu nesse contexto e resolveu que montaria sua própria banda. O passo seguinte foi juntar os componentes que tocassem instrumentos e pudessem apresentar um bom desempenho musical. Após alguma procura o grupo estava pronto. O baterista encontrado foi o amigo Rino, que tinha uma bateria velha, herdada de um primo que viajou para outro país e deixou aquele equipamento para ser guardado por ele. Joy trocou uma prancha de surf por uma guitarra e uma caixa de som velha. O amigo guitarrista estudava por meio de umas revistas antigas que mostravam os acordes a serem tocados. Finalmente, foi encontrado baixista, o amigo Helin, que dizia que o baixo nasceu com ele, pois se dizia autodidata. Depois da formação da banda foi a hora de arrumar um repertório. Em buscas pelos sebos da cidade, os amigos garimparam uma boa coletânea de cifras de boas músicas, incluindo os rocks mais tocados. A turma escolheu um bom repertório montado no rock and roll e passaram a executar as músicas escolhidas. Depois de muito ensaio era hora de apresentar-se. O grupo se apresentou primeiramente para os grupos que já existiam na vida cultural da cidade, entre eles o Cenoura Lúdica. Numa das apresentações, foi feito à banda o primeiro convite para uma apresentação num evento chamado de a hora do rock, um movimento cultural que acontecia na Cidade Encantada, uma área da cidade destinada ao lazer, frequentada por famílias que ali levavam seus filhos para passear. A banda aceitou o convite e o primeiro show foi o maior sucesso. Talito, começou a ensaiar as futuras apresentações performando como os grandes vocalistas das bandas de rock da época, ele repetia a dança e o trejeito dos seus ídolos. Depois da primeira apresentação, começaram a aparecer outras oportunidades e a banda de rock, já alcunhada de Barulhos, participava de toda a cena cultural da cidade, que, naquele tempo era muito mais animada do que hoje. A cultura estava em toda parte. Havia festivais de literatura, poesia, música popular, rock, teatro, folclore e tudo mais que pudesse mostrar a cara do povo da cidade. A população participava incentivando todas as iniciativas, e, todo evento era um sucesso garantido. O reconhecimento da banda Barulhos aconteceu com a sua participação em uma das edições do FESTPOP, um evento cultural realizado na Fortaleza histórica da Cidade em noites de Lua cheia. Ali Talito deu um show executando sucessos do bandas internacionais e executando uma apresentação que encarnava os grandes vocalistas ao palco, quando ele atuava cantando, dançando, e fazendo gestos de corpo praticamente iguais aos originais. Mick e Robert eram os seus vocalistas favoritos. Chegou um momento na carreira do grupo que foi necessário alçar voos mais altos. A banda se mudou para um grande centro do país e lá passou pouco tempo. Pouco tempo depois, foi convidada a cantar no exterior, passaram por países da Europa, Estados Unidos e a última vez que foram vistos, foi numa casa de Shows em Montreal no Canadá. O grupo muitos anos depois voltou a Cidade e a cena era outra. Não havia mais aquela efervescência cultural. Havia apenas alguns pontos isolados nos quais alguns sonhadores mantinham para poucos roqueiros o que sobrou do passado. Os componentes da banda não encontraram mais espaço para continuar o seu trabalho e começaram a seguir caminhos distintos. Como todos tinham formação superior enveredaram a exercer as suas profissões e a banda entrou em estado de latência, como definiu Joy. Hoje toda a turma da banda está na meia idade e recordam do tempo mágico da banda Barulhos com a nostalgia de quem sabe que aqueles tempos não voltarão mais.