OSSOS NO ARMÁRIO

Um lembrança curiosa que trago na minha prodigiosa memória é aquela dos ossos de um tio guardados num armário da casa da minha avó. O armário era daquele tipo enorme com umas seis portas e a altura chegava ao teto. A cor era escurecida por um verniz que dava um brilho próprio aquele móvel. O armário estava no quarto de hóspedes e era ali que eu quando criança ficava instalado na casa da minha avó. Soube da presença dos ossos no armário por acaso, após ouvir uma conversa entre minha mãe e a minha avó que comentou que estava preparando uma  morada definitiva para aquela ossada. Na minha cabeça de criança imaginei uma morada num cemitério cheio de capelas, cruzes e estátuas de anjos, a exemplo do cemitério que fui uma vez com a minha família por ocasião do dia de finados. Quando dormia no quarto com primos e irmãos, a ossada do armário era o assunto preferido, e, sempre havia a ideia de conhecer aquela coisa assombrosa. Uma vez abrimos o armário e fomos procurar a ossada. Procuramos em todas as portas e só vimos ali roupas. Eram paletós, camisas, calças e sapatos e nada do que procurávamos. Havia um baú que resolvemos abrir e investigar o seu conteúdo, mas, lá dentro havia muitas cartas. Peguei algumas nas mãos e me admirei com os selos colados nas cartas que eram bonitos e tinham um aspecto nobre. A meninada ficou decepcionada por não encontrar o que procuravam. No dia seguinte abrimos o armário e fomos direto ao baú, pegamos algumas cartas e resolvemos lê-las. A primeira foi aberta e era uma carta que iniciava com a mensagem: Caros sobrinhos,  é uma felicidade estar na minha morada definitiva e poder contar com a companhia de vocês. Vocês são parte da minha estória, são uma continuação da minha vida eterna. Só peço para que não me deixem sair daqui. Assinado, Tio Jonas. Meu primo ficou assustado com a carta. Ela parecia que foi escrita para nós. Minha prima que tinha mais jeito com a minha avó foi saber da vida do Tio Jonas e ficou sabendo que ele terminou a vida morando num velho Hotel no Centro da Cidade e que os seus sobrinhos queriam colocá-lo num asilo para velhos. Aquela explicação foi o suficiente para as coisas voltarem à normalidade. Naquela noite foi aberta uma nova carta e dessa vez a carta era endereçada a sua irmã, nossa avó. O texto pedia para não ir à nova morada que estava sendo construída para ele. A sua atual morada era a ideal, perto da irmã, dos sobrinhos e próximo de tudo o que foi importante na sua vida, e que ali também estavam os seus melhores amigos. A estória se assemelhava a primeira. Uma terceira carta aberta falava de uma abertura que dava acesso a sua morada dentro do armário escuro. Após sabermos que havia uma entrada no armário, resolvemos investigar o piso daquele móvel. Eu como o menor dos primos entrei lá e passei a literalmente passear pelo seu interior. Senti num ponto do piso do armário uma folga na madeira. Abaixei-me e descobri uma pequena alça a qual resolvi puxar. Uma tampa de madeira subiu e descobri um buraco no piso do armário. Daquele buraco subiu um vento frio e assim descobrimos que se tratava de uma entrada para um compartimento subterrâneo. A meninada ficou assustada e curiosa com aquele achado. Mais uma vez minha prima foi saber sobre se havia alguma construção abaixo da casa. Sim, havia um porão com coisas velhas da família e objetos inservíveis, uma bagunça na opinião da minha avó. Logo pela manhã eu e meus primos fomos ao armário e abrimos a tampa  que descobrimos. Com uma lanterna pudemos ver uma escada de madeira. Um a um entramos e pudemos explorar aquele espaço. Ali havia uma sala com sofás e mesas de centro, uma bela cama em estilo colonial, muitos quadros na parede, um bar com garrafas antigas de licor e por fim um retrato do Tio Jonas. Pudemos ainda ver no chão abaixo do retrato uma urna fechada com um cadeado. O interessante é que tudo estava muito arrumado, diferente do que minha avó descreveu.  Subimos e desvendamos um mistério, uma aventura espetacular para aquele grupo de crianças. Numa segunda ida escutamos uns sons estranhos que nos assustaram bastante. Decidimos não entrar mais no porão. Acabaram as férias e todos nós voltamos as nossas cidades. No ano seguinte, a novidade é que os ossos de Tio Jonas haviam sido levados para o cemitério. De um lado era um alívio, não havia mais o que nos assombrar. No dia em que todos os primos haviam chegado a casa da nossa avó, nos aventuramos no porão. Para a nossa surpresa o misterioso espaço estava lotado com muita coisa velha, os móveis estavam se desmanchando, o sofá se acabando, louça e garrafas quebradas, muita poeira e teias de aranha. Não havia graça em ver tanta coisa feia. Meu primo apanhou uma nova carta e a mensagem falava da mudança do Tio Jonas, ele informava que agora morava no bairro da Água Nova, o bairro do cemitério municipal.