O VAMPIRO DAS ROCAS

Até hoje se fala dessa estória na nossa cidade. Tratou-se da aparição de um vampiro. Sim, era um tipo que mordia pessoas em busca do seu sangue. Essa estória foi amplamente publicada nos jornais da cidade nos anos cinquenta e a cada nova matéria surgia um ingrediente novo. Nesses últimos dias soube que o repórter que havia acompanhado os episódios do vampiro havia morrido e ele confirmou a existência dessa figura lendária nas suas crônicas. Ele uma vez pessoalmente participou de uma perseguição a um suspeito de ser o tal vampiro juntamente com habitantes do bairro das Rocas. Esse bairro era onde a estranha criatura costumava aparecer e, assim, criava-se novos fatos para a divulgação jornalística. O bairro das Rocas era o bairro onde estava assentado o porto da cidade e ali desembarcavam rotineiramente pessoas do mundo inteiro, inclusive, era por onde chegavam os imigrantes que encheram a cidade no século vinte. Apesar da cidade em que cresci ainda seja uma cidade de porte médio e longe das maiores metrópoles, nos anos trinta e quarenta, recebeu imigrantes, muitos deles fugindo da ameaça nazista, e se instalaram como comerciantes, técnicos e outros ofícios. Assim, a Cidade Alta passou a ser o refúgio de imigrantes, inclusive, numa de suas ruas havia mais estrangeiros do que brasileiros. O repórter escritor das ocorrências vampirescas era um conhecido jornalista policial e escrevia sobre casos tenebrosos de crimes e violência do submundo. A sua coluna era a mais lida da cidade, mas, o seu ápice como repórter foi a confecção das matérias versando sobre o vampiro das Rocas. Dizem até que essa figura não existiu, tudo foi uma invenção do repórter Jack Silva, como ele era conhecido no mundo do jornalismo. Ele afirmou veementemente que a sua narrativa mais conhecida foi verdadeira. Essa estória se iniciou a partir da ocorrência de um ataque a uma jovem de cerca de dezoito anos que resultou numa mordida no seu pescoço, deixando as marcas dos dentes. No dia seguinte a matéria de capa do principal jornal da cidade foi a seguinte "VAMPIRO ATACA NAS ROCAS". Poucos dias depois foi a vez de uma senhora idosa que foi atacada e também teve o seu pescoço mordido ficando marcas daquela ação. O delegado que cuidou do caso mandou fazer uma vistoria em todo bairro das rocas em busca de algum suspeito. A nova manchete de primeira página foi a seguinte: VAMPIRO ATACA DE NOVO.  O novo episódio ligado ao vampiro foi o do voo sobre as Rocas de um ser alado que parecia um urubu gigante de acordo com as suas testemunhas. O jornal noticiou o fato como: "O VOO DO VAMPIRO NAS ROCAS." Os episódios seguintes narravam perseguições aos moradores, sendo mocinhas e senhoras de idade as principais vítimas, embora nunca tenha acontecido nada além de ferimentos superficiais. As vítimas relataram o vampiro das Rocas como uma pessoa alta de cerca de um metro e oitenta, pele muito branca, mãos gigantescas, rosto triangular e uma dentadura enorme se destacando os caninos. A sua roupa se compunha de calça e camisa pretas, e, ainda portando uma capa também de cor preta até os joelhos. O principal suspeito foi um imigrante romeno de cerca de trinta anos morador da Cidade Alta, que foi visto por diversas vezes  descendo caminhando para a parte baixa da cidade. Depois, soube-se que o imigrante suspeito trabalhava como vigia noturno de um dos armazéns da área do porto. Nas tentativas de apanhar o vampiro foram presos para averiguação várias pessoas com as características descritas pelas testemunhas, mas, nunca se chegou ao verdadeiro ser das trevas. Um dia atraído pelas notícias da imprensa chegou à cidade um caçador de vampiros vindo do leste europeu que se chamava Joseph. Os jornais anunciaram a sua chegada e houve um tremendo burburinho na cidade. Foram detidos dezenas de suspeitos, e encaminhados ao especialista que tratou de utilizar os seus métodos para identificar e destruir as criaturas da noite. Os suspeitos eram submetidos a rezas em voz alta, banhos de água benta, furos na pele com taliscas de madeira, dentre outras ações. Depois de muitas tentativas, Joseph desistiu da caçada e foi embora. Não se sabe o que aconteceu, mas o vampiro das Rocas não apareceu mais. Os jornais deixaram de noticiar sobre esse tema. A coluna policial de Jack Silva passou a ter menos leitores e os jornais diminuíram suas vendas. Numa aparição repentina o vampiro das Rocas foi preso. Novamente os jornais anunciaram o caso, e, a venda do exemplar esgotou a tiragem diária. Na apuração da ocorrência se verificou que o novo suspeito era um rapazote que quis fazer uma brincadeira. Nos meses seguintes o vampiro das Rocas foi protagonista de alguns episódios a ele imputados, no entanto, eram depoimentos que não sustentavam a existência de um vampiro, e, assim, a estória foi se esgotando e desapareceu. Até hoje se fala na aparição do vampiro nas Rocas, mesmo tendo se passado todo esse tempo. A descrição é aquela dos anos cinquenta, embora sem a repercussão daquele tempo, já que os tempos são outros e há muita coisa para se divulgar.  Hoje os vampiros são outras figuras e estão encaixados na literatura e nas artes cinematográficas, longe de uma área  portuária e sem glamour.