SEA VIGILANT

Passeando na praia cheguei ao recanto das pedras e admirei as nuvens espessas no céu parecendo flocos de algodão. Olhei as pedras dentro da água e imaginei a sua formação ao longo das eras geológicas culminando nesta paisagem de uma beleza incomum que me acompanha pela vida inteira. Andei mais um pouco e alcancei a Praia Pequena, pedaço de mar com ondas enfurecidas próprias para o surf, esporte que pratiquei quando jovem e abandonei por falta de jeito. O lado bom daquele período é que pude explorar o mar e ter um contato íntimo com o mundo das águas recebendo energia e sentindo suas vibrações. Recordo do afogamento que sofri após levar um caldo de uma onda gigantesca que resolvi desafiar, mesmo sabendo da minha limitação naquele esporte. Vi a onda se formado atrás de mim, apressei-me em alcançá-la para poder surfar e quem sabe entrar num tubo e realizar um antigo sonho. Ao ficar em pé na prancha e preparar a manobra para a direita fui atingindo pela onda quebrando e fui lançado ao fundo do mar. Fui socorrido por outros surfistas e levado para a praia. A pancada foi tão forte que minha prancha quebrou ao meio. Depois disso, ela nunca mais foi a mesma. Depois do conserto ficou um remendo muito feio na prancha. Com o passar do tempo voltei a praticar o surf sem aquele ânimo do passado. Num desses dias esperando ondas no mar  apoiado na minha prancha, vislumbrei um barco cinza prateado a uns duzentos metros de onde estava. Dirigi-me até lá remando a minha prancha. Ao chegar pertinho do barco, fui cumprimentado por um senhor que me convidou para subir no equipamento. Como estava cansado, aceitei o convite sem temer coisa alguma. A embarcação era de pesca e havia equipamentos como linhas de pescar, anzóis, redes, gaiolas de madeira e outras coisas. O primeiro assunto tratado foi sobre a força do mar e sua importância para as nossas vidas, desde a manutenção do clima, da alimentação e do papel que ele terá no futuro. Eu comentei que estava um pouco temeroso com o mar depois do caldo que me fez desmaiar. Como resposta, ouvi que o medo passa com o tempo. Continuando a conversa, escutei que algo deveria ser feito para proteger os oceanos, pois, além de nos servir, são a casa de milhares de espécies e parte do nosso planeta. Disse, ainda, que no seu ofício, ele vê muita coisa ruim, como lixo no mar, tartarugas mortas por comerem plásticos e outras coisas do tipo. Tomei um pouco de água e resolvi voltar. Na conversa perguntei o que ele pescava. Ele respondeu que nada, só retirava do mar aquele material que estava no convés. Disse-lhe o meu nome e soube que o dele era Angel. Percebi um brilho prateado nas partes expostas do seu corpo, as mãos e rosto, pois o restante estava coberto com um casaco e uma calça comprida. Achei que aquela cor era um reflexo do sol forte. Angel me disse que a prancha seria útil para retirar coisas do mar. Despedimo-nos com o meu agradecimento pela água que bebi e com o seu conselho: cuide do mar. Joguei a prancha na água e mergulhei. Quando me apoiei sobre a prancha vi o nome do barco que se chamava Sea Vigilant. Um nome apropriado, sem dúvidas. Dando braçadas cheguei rapidamente à arrebentação e peguei minha ultima onda. Esse último ato praticando o surf me fez entender que aquele não era o meu esporte. Da beira da praia fiquei observando o barco que se tornou mais prateado e desapareceu aos meus olhos. Tentei retomar a visão do barco, mas ele havia sumido. Finalmente resolvi largar o surf e guardei a prancha no quarto de despejo até resolver o que faria com ela. Um dia percebi que ela havia desaparecido. Onde estava a prancha? Perguntei a mim mesmo. Ela seria útil para o trabalho do Angel, pensei alto. Ao chegar à varanda da casa vi um barco prateado no horizonte e uma pessoa acenando para mim. Olhei para o barco com um binóculo e reconheci o Angel levantando minha prancha. Não entendi como a prancha foi parar ali, mas fiquei feliz com o seu novo uso.