O BONECO DEDA

Passeando pelos arredores da Praça da Matriz, vi de longe um palco montado na sua área central. Resolvi chegar mais perto para ver o que estava acontecendo, afinal, naquela praça sempre acontecem eventos culturais que me interessam. Outro dia, assisti a uma apresentação do Boi de Reis, e, foi fascinante. Pude admirar a performance de todas as personagens do folguedo, como os marujos, o urubu, o Doutor, dentre outros, e ouvir as canções e as marchinhas do tema. Caminhei ao encontro da cultura popular a qual admiro e torço para a sua permanência nesses tempos de uma modernidade avassaladora. Chegando mais perto percebi que se tratava de um show do mestre Valdo. Reconheci pelo estilo dos seus bonecos e dos assuntos tratados na apresentação. Os bonecos representavam um velho com uma sanfona, uma mocinha, um rapaz e um menino. Toda a plateia era composta na sua maioria por uma meninada que não tiravam os olhos do pequeno palco. Os bonecos do tipo mamulengo eram manuseados pela mão dos artistas e se exibiam contando piadas, cantando e fazendo movimentos engraçados. Ao prestar atenção nos bonecos, logo fiquei sabendo que o mamulengo rapaz se chamava Deda e estava cortejando a mocinha Maria. A um certo momento da apresentação, o velho sanfoneiro tocou um forró e o casal de bonecos começou uma dança frenética. O boneco Deda usava um chapéu de palhinha e óculos redondo, e, a mocinha tinha longos cabelos castanhos cacheados. No fim da primeira música o casal de dançarinos sumiu do palco e a conversa continuou entre o sanfoneiro e o menino Carlinhos.  Entre alguns diálogos, o menino revelou que quando crescesse queria dançar igual a Deda e, ainda, disse que gostaria de tocar uma sanfona ou um violão, completou. O velho sanfoneiro ressaltou que era preciso muito estudo e dedicação para tocar qualquer instrumento, por fim pediu ao menino Carlinhos que chamasse os amigos para uma nova música. O menino fez um sinal para plateia chamando Deda e Maria para subirem ao palco. O sanfoneiro iniciou um novo forró e Carlinhos começou a dançar com um acabo de vassoura. Para surpresa geral surgiu na plateia o dançarino Deda, em forma humana, dançando com a boneca Maria. Foi uma cena inusitada, o mamulengo era um homem de um metro e oitenta dançando com uma boneca de pano quase da sua altura. A dança era rápida e Deda puxava todos os movimentos, sendo acompanhados pela boneca que parecia participar intensamente de toda a coreografia. No encerramento da música Deda com sua parceira entraram por uma cortina que dava acesso ao pequeno palco armado para o show e logo voltou sozinho para a plateia, enquanto a boneca Maria voltou para o palco. As palmas foram quase que intermináveis. Ao cessar o barulho, Deda pediu ao mestre sanfoneiro, chamado por ele de Mestre Tonho, que executasse outro forró mais animado. Imediatamente, começou a música e Deda saiu dançando sozinho entre os presentes até convidar uma jovem senhora para dançar e sair com ela num malabarismo ímpar. A jovem senhora ruiva parecia uma boneca de pano manuseada por Deda, já que os movimentos eram surpreendentemente elásticos. Antes do término da música, eles entraram pela cortina colorida. Deda reapareceu no palco como um dos bonecos e de lá perguntou ao público se todos tinham gostado da sua dança. A resposta foi sim. Logo depois, a ruiva atordoada voltou à plateia e se sentou para se recuperar de tamanho acontecimento. Depois de mais algum tempo, o show dos mamulengos terminou e saiu pela cortina o Mestre Valdo, a sua esposa e os seus filhos. Após uma salva de palmas, o líder da trupe agradeceu a presença de todos e comunicou que em breve o grupo voltaria com outro espetáculo. Fui até a frente do palco e cumprimentei o Mestre Valdo por tão bela apresentação. Enquanto conversava, os bonecos foram acomodados numa caixa de papelão e o palco foi rapidamente desmontado pela sua mulher e filhos. Como não vi o dançarino, tive uma forte vontade de perguntar por ele, mas não o fiz. Mestre Valdo se despediu e colocou o material do show no porta malas do carro e foi embora. O artifício da apresentação do dançarino, ora mamulengo, ora homem, foi sensacional, e certamente está na lista dos acontecimentos fantásticos do mundo dos bonecos presentes no universo de pessoas especiais como o Mestre Valdo.