A PEDRA DA CEBOLA

Soube que quem estava de volta à terrinha era o poeta andante Valentim. Esse é mais uns dos tipos fantásticos dessas paragens que tem como mania caminhar pelo mundo. Dizem que ele anda lendo e numa caminhada de algumas dezenas de quilômetros devora alguns livros. Numa dessas suas viagens ele chegou à Patagônia após a leitura de dezenas clássicos da literatura mundial. Ele tem uma dúzia de livros de poesia publicados e sobrevive da venda dos mesmos deixados em sebos da cidade. Segundo a crítica especializada a sua obra tem uma considerável qualidade, não deixando nada a desejar em relação a autores mais consagrados. Numa dessas tardes recebi a sua visita e aproveitamos para colocar a conversa em dia. Começando ele me contou a sua última andança indo bater nas bandas da Serra da Cebola, local considerado muito estranho em função de alguns acontecimentos que lá ocorrem. Esse nome é em função da formação das rochas ali sedimentadas. Em um determinado local existe uma pedra enorme que lembra realmente uma cebola, ficando apoiada em outra rocha como se fosse um pedaço solto. Naquela região vão frequentemente místicos e pessoas em busca de respostas para dilemas da vida, e, alguns realmente alcançam o que procuram e outras desaparecem. Dizem que existem fendas no solo que levam a elevadas profundidades. No decorrer da conversa procurei saber o que o amigo havia ido fazer em tal local. A resposta foi buscar inspiração para sua poesia, pois, estava numa fase onde ele se auto definia como roqueiro. Insisti perguntando se houve algum ponto positivo. Pedindo segredo de estado ele me confessou que a tal serra é um lugar especial onde há uma beleza realçada pela altitude e pelos paredões rochosos que compõe a paisagem. Destacou que nas redondezas da Serra existe um Santuário, um local de muita fé e energia. Muita gente ali vai em busca de cura do corpo e da alma. O Santuário foi construído no alto de uma serra tendo o formato piramidal, funcionando uma Igreja no seu interior. A subida para lá é em degraus em alto declive que não assustam aos fiéis que ali vão. O poeta confessou que iniciou uma fase mística na sua vida ao contrário do que até agora acreditava e pregava. Os seus poemas passaram a valorizar o espírito. O corpo físico agora era apenas a morada da alma, esta o motivo maior da existência terrena: uma preparação para a eternidade. O poeta antes materialista e utilitarista me surpreendia com tamanha mudança de pensamento. Para encerrar a nossa conversa soube que o seu próximo passeio seria o retorno para a Serra da Cebola para assistir ao deslocamento da Pedra da Cebola em direção à lua.  Perguntei como seria feita tal epopeia. Simples, respondeu afirmando que a Pedra da Cebola faz esse trajeto de tempos em tempos. Ainda, confessou que outras pessoas estariam lá para assistir a essa viagem fantástica. Resolvi não adentrar mais num campo tão surreal. Cheguei a pensar que meu amigo estava perdendo o juízo. Soube que esse estranho evento se daria numa data de lua cheia num perigeu lunar. A Pedra da Cebola seria atraída pela gravidade da lua que a levaria e a traria de volta num movimento que duraria em torno de uma semana. A Pedra da Cebola, segundo a lenda, já realizou esse movimento algumas vezes, inclusive, existem relatos indígenas sobre esse assunto. No dia planejado se juntaram na Pedra da Cebola dezenas de crentes no seu deslocamento até a lua. Todos eles se acomodaram em locais onde confortavelmente pudessem assistir a Pedra da Lua passear pelo espaço. Só que não houve viagem alguma, uma grande decepção. Soube disso pelo próprio poeta Valentim, que se mostrou decepcionado e ao mesmo tempo um tolo por acreditar naquela possibilidade. No perigeu lunar seguinte se juntaram a pedra mais algumas dezenas de curiosos. Após algumas decepções houve a desistência por parte dos aventureiros que imaginavam uma viagem a lua daquela pedra esquisita. Numa caminhada do poeta Valentim pela região da Serra da Cebola, aconteceu o improvável. O poeta olhou para o céu e viu a Pedra da Cebola se deslocar para a lua. Só que dessa vez não havia pessoas assistindo àquele feito. Foi uma visão maravilhosa. A pedra se deslocava lentamente e subia em direção ao nosso satélite natural. No dia seguinte, Valentim subiu até o local da pedra e lá estava um grande vazio. Ele acampou nas proximidades e poucos dias depois a pedra voltou de sua viagem e se acomodou no seu lugar de origem. Aquilo deixou o poeta em êxtase e lhe inspirou a poesia que contava o episódio acontecido.  Mais tarde o texto foi publicado e os críticos teceram elogios ao material escrito. Uma obra de arte, comentaram os mais entusiasmados. Hoje o poeta montou residência fixa na cidade mais próxima a Serra da Cebola e faz uma vigília permanente sobre aquela rocha. De vez em quando recebo sua visita e sempre pergunto pela Pedra da Cebola e seus estranhos movimentos. Ele me disse que nunca mais aconteceu nada fora do normal, mas, ele estará sempre de olho naquela pedra mágica.