SMOKE OPERATOR

O amigo Mané foi assistente de palco por muito tempo de uma famosa banda de rock and roll dos anos 70 e 80. Ele é um conterrâneo da minha cidade e foi muito cedo para a Europa. Ele pegou um navio de carga e aportou na Cidade de Londres, Inglaterra. Na chegada, ele se juntou a imigrantes de diferentes nacionalidades e começou a fazer aqueles trabalhos mais básicos como lavar pratos, ajudar na cozinha e carregar bagagens. Num desses bicos, ele foi trabalhar para a banda inglesa Honey, carregando nas costas todo o material dos shows como instrumentos musicais, caixas de som, fiação, iluminação, etc, e, ainda arrumando tudo nos seus devidos lugares. O líder da banda gostou da organização de Mané, que fazia o trabalho de uma maneira rápida e organizada. Tudo nos shows estava sempre no lugar correto e funcionando a contento. A competência para aquele trabalho fez do amigo um funcionário fixo. Ele foi promovido a assistente de palco e passou a ser mais um membro da equipe que preparava os shows da banda mundo afora. Aos poucos Mané foi se especializando em fazer a fumaça nos shows. Ele aprendeu a usar as máquinas de fumaça para criar sensacionais efeitos de palco. A fumaça durante os shows criavam uma atmosfera densa, misteriosa e cheia de glamour, como ele definia. Com o passar do tempo, bolas de sabão e gelo seco foram introduzidas nos shows, que somados a primorosa e colorida iluminação, davam uma visão espetacular aos shows da famosa banda de rock. As máquinas de fumaça eram espalhadas pelo palco e Mané fazia o controle do seu funcionamento. No momento correto ele acionava o lançamento da fumaça. Na entrada de um solo de guitarra, a fumaça era lançada em cima do guitarrista. No destaque da bateria, a fumaça saia dos tambores. Na atuação solitária do contrabaixo, um forte jato de fumaça saia do chão. No início e no encerramento das músicas, jatos esfumaçados eram lançados da borda do palco. Era um trabalho de muita qualidade, ele era chamado carinhosamente de “smoke operator”. Todos da banda teciam muitos elogios ao trabalho bem feito de Mané. Assim, ele praticamente se tornou um membro da banda e passou a usufruir de todos os privilégios daquela posição, ficando no mesmo hotel nas viagens e tendo participação nos lucros. Em algumas situações, participava no estúdio quando a banda realizava composições, opinando na finalização destas, com destaque para o rítmo e a percussão. O baterista Tuck captava no ar as sugestões feitas e as introduzia na música nascente. Toda essa sintonia fez de Mané uma pessoa querida no grupo que ali permaneceu até a saída do seu vocalista. No auge do sucesso, o vocalista da banda entrou num processo de avaliação da sua vida e passou a se dedicar a busca da cura da alma. Ele estava insatisfeito com a vida que levava. Tudo para ele não fazia sentido, e, dessa forma se dedicou ao crescimento pessoal viajando para a Índia e o Tibet, no entanto, voltava para as turnês dos shows, só que, a cada dia ele ficava mais estranho. Ele apresentava uma fragilidade no seu modo de agir e parecia sempre estar com a mesma roupa, sapato, calça e uma camisa de malha colada ao corpo, tudo de cor branca. Ele parecia estar desaparecendo quando se apresentava. Sua imagem sumia e aparecia como numa projeção de cinema cortada por alguma coisa. Mané percebia os lampejos e naquelas horas disparava jatos de fumaça no vocalista na tentativa de dar um ar de normalidade. Muitos shows foram realizados até que um dia ele desapareceu por completo. Os demais componentes ao perceberem aquele sumiço se esforçaram para contornar a situação. O baixista assumiu o vocal e o show continuou até o fim com luzes e jatos de fumaça camuflando o imprevisto. A imprensa noticiou a saída do vocalista do show, fato desmentido pelo grupo. Poucos dias depois a banda teve notícias do seu  líder que anunciou uma saída temporária, pois estava em processo de auto cura. Num encontro com o grupo, Mané convidou o seu amigo a passar uma temporada na praia na qual resido. O convite foi aceito, e, assim, ambos viajaram até lá e se instalaram num bangalô com uma excelente vista para a praia. O vocalista comprou aquela residência e passou algum tempo na praia, voltando em seguida para a sua banda. Dessa feita, Mané quis ficar um tempo na sua cidade natal e ganhou o bangalô de presente do amigo. Um dia fui convidado por Mané para uma festa. Ele me disse que seria uma homenagem ao grupo Honey e seria na sua casa. Lá haveria uma performance a ser realizada por um grupo que fazia cover da banda Honey. Ao anoitecer cheguei ao bangalô e fui ao terreno dos fundos da edificação onde havia um palco já com os instrumentos prontos para o show. Os convidados foram chegando e formavam uma plateia animada. Numa determinada hora a fumaça tomou conta do palco e muitas luzes coloridas decoravam a cena musical. Um som de bateria deu início ao espetáculo que se iniciou com um clássico da Honey. O show seguiu por quase duas horas apresentando uma alta qualidade musical. Para a minha surpresa, a música de encerramento foi tocada pelo próprio Andy. Acho que só eu percebi aquele fato. O show terminou e no dia seguinte fui visitar o amigo Mané que me confirmou que uma projeção do músico Andy havia encerrado o show. Confesso, que até hoje não entendi o que me foi dito, mas, não insisti na dúvida. Perguntei, ainda, se haveria outras oportunidades de ver o grande vocalista atuar. Mané respondeu que da próxima vez ele viria pessoalmente. Disse-lhe que não perderia aquela oportunidade e nos despedimos.