A VILA DE AGIMAR

Os costumes das nossas cidades interioranas têm uma origem que beira o mistério.  Os seus moradores pintam suas casas com cores claras na entrada de dezembro variando do branco a tons pastel. Os túmulos são caiados de branco e o sangue de animais é totalmente retirado no abate. Somando a estes hábitos tão comuns, principalmente, nas menores cidades, descreve-se, ainda, que nas noites de lua cheia se deve voltar para casa antes da meia noite e, também, manter cordas de alho e de cebola como enfeite na cozinha. Pesquisando-se na literatura a origem disso tudo, fala-se que é o resultado das influências judaica e ibérica na nossa cultura. Entretanto, o Professor Agimar tem outras explicações e destaca o aspecto positivo de limpeza e decência observadas nessas cidadezinhas. O Professor Agimar tem a sua própria versão para esses costumes e justifica que a pintura da casa no fim de ano é uma homenagem aos anjos protetores, que nesta época vêm à terra a fim de que todos tenham um ano vindouro próspero e feliz. Assim, as residências devem estar limpas e bonitas para receber os visitantes celestes. As cores claras significam o desejo de receber a visita dos anjos. A arrumação da casa na sexta-feira acontece para afugentar as entidades bagunceiras que passeiam na terra neste dia e adoram coisas desarrumadas e se alojam em locais desorganizados e sujos. Esses seres, em sua opinião, situam-se entre os sacis, as mulas sem cabeça e o pé grande. A caiação dos túmulos de branco evita que os mortos voltem à vida como zumbis. Cores escuras favorecem essa transformação. A retirada de sangue afasta os vampiros que se alimentam dele e também evita a contaminação da carne por fluidos maléficos. Voltar a casa antes da meia noite protege os moradores de lobisomens que aparecem após o horário limite e comem carne humana. A proteção é ficar em casa tendo um machado ou uma faca pendurada nas paredes. Dizem que a pessoa que fez a confissão está protegida deste ser lendário. O Professor Agimar continuou a sua prosa contando estórias acontecidas na sua vila, como ele definiu sua cidadezinha, sobre esses fatos extraordinários. Começou com a insistência de um morador em não pintar a sua casa no fim do ano, por achar caro e desnecessário. Como resultado perdeu a sua lavoura que ficou com um aspecto embranquecido, foi atacada por uma praga. No ano seguinte sua casa foi pintada de branco e tudo voltou ao normal. Uma senhora passou a limpar a casa no sábado e sua casa foi invadida, segundo ela, por macacos prego, que destruíram a mobília e sujaram as paredes. Um túmulo foi pintado de azul e logo foi violado e o corpo desapareceu. Após a pintura com cal branca, o corpo misteriosamente reapareceu. Certa vez um grupo de boêmios foi surpreendido na madrugada numa noite de lua cheia por uma criatura peluda avermelhada que de repente apareceu e atacou um dos seus participantes. Um cachorro afastou a fera e todos puderam fugir. O boêmio ferido até hoje some nas noites de lua cheia e o grupo de boêmios prefere dormir cedo naqueles dias. O alho tem servido para afastar criaturas noturnas que vêm roubar a carne. Existe relatos de criaturas aladas que invadem as casas sem proteção e roubam as carnes quando estas têm sangue. Toda essa descrição fantástica é baseada na conversa com o Professor Agimar. Uma figura inesquecível. Ele tem graduação nos cursos de História, Sociologia e Direito, mas prefere a vida calma de sua cidadezinha. Sobrevive como Professor e está perto de se aposentar. Mas, define-se como cidadão do mundo globalizado pela Internet, sendo um ativo participante de fóruns e outros meios de debate na mídia nacional e internacional. Insisti, perguntando-lhe se ele acreditava no que discorreu sobre a sua cidade. Como resposta, escutei que as lendas são as verdades do mundo lúdico que habitamos dentro do mundo real.