O CASARÃO DE ANDERSON
O Casarão da família de Anderson foi construído na Rua Argentina, principal rua da cidade até o inicio do século XX às margens do Rio Grande. O suntuoso casarão tinha a frente para a Rua Argentina, onde, nos tempos áureos, funcionou o Palácio do Governo, e, ali estavam instalados pontos comerciais, armazéns, alguns casarões, serviços diversos e boemia. No centro daquela rua ainda hoje perduram trilhos de trem que ali passavam transportando produtos do Porto, levando e trazendo gente. Apesar de estreita, a rua era o coração da cidade até o inicio do século XX, no entanto, os seus quadrantes aumentaram e outras ruas passaram a desempenhar um papel mais importante. O Palácio do Governo mudou para a parte Alta e outras ruas da parte baixa passaram a ter um maior destaque. Aquela localidade foi ficando cada vez mais abandonada no decorrer dos anos mil e novecentos. Outras atividades foram ali crescendo como bares, casas de encontro, clubes de remo, armazenagem de produtos e outros fins menos nobres. Mas lá estava o casarão da família Vandersar engolido por uma vizinhança decadente e longe do que foi no nobre passado. Anderson como herdeiro do casarão resolveu vender aquela preciosidade, anunciando no jornal a sua venda. O anúncio falava da beleza da casa, dos seus quartos arejados, das salas espaçosas com janelas ostentando lindos vitrais portugueses, e da varanda nos fundos à beira do Rio Grande. O mais curioso foi a descrição fantástica da casa no anúncio da venda. O texo discorria narrando um lugar onde os fantasmas dos seus antepassados estavam sempre presentes em maravilhosas conversas. Descreveu as danças de roda dos seus antepassados holandeses. Ressaltou a presença radiante de Jaques Rifoles, navegador francês negociante de pau-brasil com indígenas locais, que desbravou essas paragens por muito tempo, conversando com os seus ancestrais falando da França, da sua arte, da arquitetura e dos seus artistas. Toda essa descrição não encorajou compradores e Anderson passou a residir na antiga morada da sua família. Num determinado momento, Anderson foi procurado por um interessado na compra da casa. O comprador seria uma indústria de pesca que faria no terreno do casarão um terminal pesqueiro. Seria o fim da construção centenária. Anderson, depois de pensar muito, recusou a venda. Seria muito difícil viver longe da sua casa mágica, de todo o encanto, e das recordações de muitos anos. A empresa conseguiu uma desapropriação por interesse público daquele belo imóvel. Houve um movimento popular contrário, mas o argumento do progresso e geração de empregos venceu, e, assim, foi marcada a data da demolição. Num dia de muita chuva chegaram ao casarão os equipamentos de demolição. Anderson apelou para os seus amigos imaginários e não aconteceu nada. Em pouco tempo, o casarão foi totalmente demolido. Alguns funcionários da empresa destruidora levaram todos os móveis, quadros, cristais e utensílios de decoração para frente da casa. Menos mal, assim não foi tudo destruído. Anderson levou aquele material para a sua granja no interior. A sorte é que a indenização foi milionária permitindo que Anderson construísse na parte alta da cidade a sua nova mansão. Na sua nova morada ele colocou tudo o que foi salvo da sua antiga residência. Não se sabe o que aconteceu, mas o terminal pesqueiro nunca foi construído. No local da casa não se ergueu nada. Houve até uma tentativa de invasão do terreno sem sucesso. Os invasores correram com medo de estranhos acontecimentos. Houve depoimentos de aparecimento de figuras fantasmagóricas. Hoje, nas noites de lua cheia o casarão aparece para Anderson que ali vai para rever seu passado. Algumas pessoas conseguem ver a edificação fantasma muito iluminada com pessoas de uma época diferente passeando na varanda, música alta, conversas e risadas. Alguns amigos dizem que participam do universo mágico, criado pelas energias oníricas daquele local, vivas na mente de Anderson e resistentes às mudanças impostas pelo inexorável tempo.