HARD TIME

A ideia de voltar no tempo faz parte da minha vida mais até do que ir ao futuro. Tenho um temperamento nostálgico e aprecio as coisas do passado. Às vezes me vejo mais feliz no meu passado real ou naquele que não conheci, apesar de reconhecer que a vida tem melhorado consideravelmente. Hoje a vida é mais confortável, a tecnologia nos aponta alternativas maravilhosas de conhecimento, lazer, saúde e muito mais. Entretanto, tenho esse apego inexplicável ao passado e adoro as sua coisas. Admiro profundamente a arquitetura clássica, art nouveau e art déco. A arquitetura moderna, apesar de sua importância e beleza não me encanta muito. Adoro passear pela parte antiga da minha cidade e admirar as suas construções. São prédios maravilhosos, sempre com detalhes que chamam a atenção. Suas portas e esquadrias em formas curvilíneas têm um ar de sofisticação que não existem mais. No entanto, é uma pena a falta de conservação destas partes da história, muitos desses belos prédios se encontram deteriorados e muitas vezes com as fachadas danificadas ou alteradas para servir de comércio, e, ainda, apresentam placas com letreiros e propagandas escondendo toda a beleza da construção. Adoro ver fotografias antigas, principalmente, aquelas da minha cidade, e poder contemplar como foi o passado. É algo fantástico poder ver as pessoas com roupas e costumes da época, carros, móveis e as edificações como eram no passado. Numa das minhas idas a parte antiga da cidade, conheci num velho café um senhor chamado Peter, que me confiou a sua história de vida, após vários encontros onde o saudosismo e a nostalgia davam o tom da nossa conversa. Peter me contou que sempre quis muito voltar ao passado, pois lá era mais feliz, e teve a sua chance. A possibilidade de voltar ao passado lhe foi oferecida por um velho chinês. A volta ao passado seria para qualquer época que fosse escolhida, porém havia o condicionante de não poder-se voltar ao presente. Esse passaporte era uma pílula dentro de um pequeno frasco de vidro com uma tampa rosqueada, tendo na sua superfície a inscrição em inglês Hard Time. O encontro do velho chinês com Peter aconteceu num restaurante de comida chinesa. O Senhor oriental trabalhava como garçom no estabelecimento e se deparou com Peter olhando firmemente para uma antiga foto. A imagem admirada apresentava Peter acompanhado por uma bela mulher tendo um casario antigo como pano de fundo. O garçom chinês ofereceu um biscoito da sorte que continha a seguinte frase: voltar no tempo é recomeçar a viver. Peter ao ler aquele recado se levantou da mesa pegou o Senhor chinês pelo braço e perguntou como ele poderia voltar no tempo. O garçom respondeu é possível, eu fiz isso e me arrependo profundamente. Como posso fazê-lo questionou Peter aos gritos. Imediatamente o Garçom chinês tirou do bolso o pequeno frasco e lhe disse: quando você for capaz de escolher a época para voltar você simplesmente ingere essa pílula com absinto. Tomado por um sentimento confuso Peter tomou o frasco, o colocou no bolso e deixou o restaurante chinês. Peter comentou que a partir daquele dia foi tomado por uma profunda certeza que um dia voltaria no tempo. Qual o exato período da volta passou a ser um problema a ser resolvido. A dúvida passou a fazer parte de sua vida e a dominá-lo completamente. Assim, Peter não mais trabalhava corretamente, não se alimentava bem, não cumpria suas obrigações e vivia num estado de desorientação. No entanto, quando o conheci ele estava mudado. Estava bem e me disse que estava para fazer uma longa viagem, cujo itinerário iria trazer de volta a sua vida feliz. Perguntei-lhe brincando se aquela seria a viagem do chinês. Como resposta ele comentou que eu iria ver muitas fotos da sua viagem. Desejei-lhe boa viagem e nos despedimos. Numa exposição de fotografia de um ilustre fotógrafo da cidade, admirando fotos antigas, identifiquei Peter numa das fotos numa pose que mostrava uma saudação. Fiquei surpreso e me lembrei da nossa última conversa. Lá estava uma das fotos que Peter me prometeu. Sua viagem ao passado aconteceu como ele imaginava.