O RELÓGIO PECULIAR

Aquele relógio prateado com uns dez centímetros de diâmetro e funcionando a corda me encantou profundamente. Ele era de uma elegância incomum. Os seus ponteiros tinham a ponta em seta e parecia fincar o tempo nos números em algarismos romanos. Sua tampa estava aberta num ângulo próximo a noventa graus. Ele estava apoiado no veludo azul de uma caixinha de madeira cinza escuro. Em cima do número doze havia uma pequena ponta segurando uma argola que acomodava uma fina corrente parecendo ser de ouro. Aquela peça apoderou a minha alma e tive um forte desejo instantâneo de levá-lo comigo. Estava numa loja de antiguidades apreciando muita coisa antiga e bonita. Havia taças de todos os usos e tamanhos, licoreiras, pratos, xícaras, jarros de todos os tipos, peças de cristal, alguma mobília como cristaleiras, cômodas, aparadores, cadeiras e outras coisas. Mas, confesso que entre tanta coisa interessante, o relógio me seduziu de uma maneira que não resisti. Queria saber o seu preço para avaliar a possibilidade da uma compra. Uma senhora muito elegante era a vendedora. Cheguei perto e perguntei sobre o relógio. A senhora com muita educação se apresentou como Louise, era a proprietária do estabelecimento. Ela me respondeu dizendo que aquele relógio não tinha preço. Ele podia ser meu gratuitamente, se eu assim o desejasse. Surpreso com aquela assertiva, disse-lhe com um sorriso no rosto que iria levá-lo, pois uma imensa vontade de possuí-lo brotou do meu ser. A Senhora Louise continuou falando e fiquei sabendo  que aquele relógio nunca saiu dali. Ele chegou trazido por uma jovem inglesa que simplesmente deixou a peça na loja e disse que precisava seguir sua vida. Imediatamente saiu correndo da loja de antiguidades como uma louca. Completou a estória do relógio destacando que algumas pessoas o levaram dali, mas, logo o devolveram, sempre com uma estória irracional como justificativa para aquele ato. Sem prestar muita atenção na conversa, questionei se ele já havia funcionando. A Senhora Louise me disse que nunca teve interesse em testá-lo. Como troca entreguei o meu relógio de bolso francês, apesar de não ser parte do negócio. A vendedora o recebeu sem muito entusiasmo. Agradeci a compra e sai da loja de antiguidades. Estava feliz com aquele relógio e não via a hora de pô-lo em funcionamento. Logo cedo da manhã do dia seguinte dei corda no relógio até a engrenagem topar. Depois o deixei pendurado na parede da sala de estar. Estava curioso para saber por quanto tempo o relógio funcionaria com a primeira corda. Sai para o trabalho ansioso para saber se o relógio funcionaria adequadamente. Sincronizei a hora com o meu relógio de pulso e fui embora. À noite ao chegar em casa, comparei a hora e tudo estava bem. Uma excelente aquisição, pensei. Tive uma noite de sono tranquila e acordei no dia seguinte pensando em dar corda no relógio. Exatamente após vinte e quatro horas da primeira corda o relógio parou. Antes de sair de casa, dei corda no relógio e fui embora. O estranho é que o desenrolar do início do dia estava igual ao dia anterior. É como se eu estivesse num déjà vu permanente. Procurei saber do dia em que estava e para a minha surpresa descobri que a data era a do dia anterior. Mesmo consciente daquela situação, tive que viver aquele dia como qualquer outro. À noite cheguei em casa e tudo se repetiu. No dia seguinte resolvi não dar corda no relógio. Percebi que vivi um novo dia. Aquilo era uma insanidade, pensava. Não podia conceber aqueles acontecimentos como verdadeiros. Para tirar a prova na qual o relógio era o responsável pela quebra no tempo, dei uma nova corda no relógio e sai para tentar os novos acontecimentos. Novamente repeti o dia anterior. Os fatos aconteciam e eu os vivia novamente. Aquilo me deu uma sensação de pavor. Era melhor esquecer o novo relógio. No início da manhã seguinte percebi o relógio parado. Uma sensação de medo e poder surgia nos meus pensamentos. Como poderia aproveitar aquela prerrogativa mágica de parar o tempo que o relógio proporcionava. Com o relógio na mão, comecei a girar o botão de ajuste das horas para trás. Por um bom tempo repeti aquela ação. Sem me dar conta do que aconteceu voltei alguns dias no tempo e de repente estava na saída da loja de antiguidades onde comprei o relógio. Ao entender aquela situação, resolvi devolver o relógio. Compreendi que não seria capaz de domar um instrumento tão poderoso. Voltei ao interior da loja de antiguidades e procurei pela Senhora Louise. Esta logo me disse que já esperava aquela devolução. Recebi de volta meu antigo relógio de bolso e fiquei satisfeito em possuí-lo novamente. A Senhora Louise me disse que a devolução aconteceu em todas as situações em que o relógio saiu da Loja. Contei rapidamente o que me aconteceu e fui embora. A minha vida pareceu recomeçar daquele momento e tudo que vivi foi como um sonho a ser guardado nas minhas memórias. Qualquer dia voltarei a Loja de Antiguidades e saber alguma notícia daquele relógio peculiar.